A conspiração por ela mesma

A conspiração por ela mesma

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A conspiração ou o ato de se planejar secretamente ações contrárias a alguém ou a um sistema estabelecido, contra os quais a ação frontal se mostra inadequada ou temerária, é um recurso tão ou mais antigo do que o abatimento de um mamute pelos caçadores primitivos. No caso, a estratégia dos caçadores nada mais era do que a conspiração contra a vida do animal em andamento. Nesse sentido, continuamos na mesma, mesmo sem mamutes. Conspiração foi o que mais se registrou e se registra na história da Humanidade, e a motivação é sempre a mesma ─ poder. Não há nada de antinatural nem anti-humano nisso, quando nos percebemos numa escala.

Quando me refiro à conspiração grega no mundo antigo, visando ultrapassar o judaísmo e libertar os gregos do jugo romano pela submissão cultural absoluta, alguns se lembram logo da teoria da conspiração. Essa teoria supõe que um grupo de conspiradores envolvidos num plano suprime as provas do seu envolvimento e manipula informações para acobertá-lo, inclusive com a contra-informação. Foi exatamente o que aconteceu na Antiguidade quando uma cultura levantou-se contra a outra por séculos a fio. O desvelamento é o que sempre acontece depois com as mentiras ocultas como rabo de fora. Nunca dá para esconder tudo. Insisto nesse ponto porque com uma mudança dessas o melhor da nossa espécie pode ter mais chance, visto que aquilo que aparenta ser cândido e inofensivo na verdade é um tampão que esconde o que nos há de pior.

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Será que corresponderíamos às nossas próprias críticas se detivéssemos tanto poder? E não me refiro ao poder por um momento, mas por uma vida inteira. Como seriam os nossos erros assim? Falar mal dos poderosos é baratinho e botar o dedo na cara de um ladrãozinho também. Esta tendência humana precisa ser dissecada a partir da história e exibida sem acobertamentos ao alcance de todos; como Carl Sagan fez com os assuntos complicados da ciência. A fantasia hollywoodiana muito tem colaborado para banalizar aspectos chocantes da realidade perversa que a própria sociedade norte-americana vem corajosamente denunciar. Onde mais gira o capital, mais vertiginosa e sombria a realidade capitalista se torna.

Do mamute ás indústrias alimentícias muitas coisas mudaram no que diz respeito às conspirações. A nossa cultura da beleza ─ herança helênica, em perfeito desequilíbrio com a sisudez mosaica ─ nos oferece versões mais bonitas para que também nos sintamos mais bonitos do que realmente somos e do que a realidade que nos cerca. Felizmente nada que não tenha conserto. É por isso que escrevemos e com essa atitude nos vertemos ao mundo como glóbulos brancos da esperança. Isso pode parecer poético, mas não é meramente poesia, é realidade mesmo porque a poesia faz parte dela. Obedecemos a um impulso pela conservação da própria espécie também no sentido abstrato. Conspiramos sob este impulso para ele mesmo e contra as nossas próprias dificuldades. Conspirar é inevitável.

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