As estratégias eleitorais trazem em seu bojo as campanhas negativas, que se traduzem pela utilização de elementos negativos e desabonadores do adversário, não necessariamente verídicos, em detrimento ao relevo das próprias qualidades e virtudes do outro candidato, com potencialidade de influenciar a decisão de uma vasta gama de eleitores.
A propaganda negativa permeia o imaginário dos eleitores brasileiros, exaltando suas paixões partidárias, recebendo os holofotes principais de certas campanhas eleitorais.
Um dos alicerces da democracia representativa é a publicação das propostas dos candidatos a fim que os eleitores sejam capazes de escolherem os políticos mais alinhados aos seus interesses. A fortificação das bases eleitorais passa obrigatoriamente pela fixação do eleitorado através da visibilidade em massa do seu nome e slogan.
Nesta linha, a manifestação do pensamento deve ser plena, protegida toda e qualquer expressão de pensamento não se compadecendo com a exigência de licença prévia ou outros mecanismos de censura. Por esse motivo, torna-se incompatível com a ordem jurídica brasileira a limitação da liberdade de crítica, configurada em manifestações desassociadas de fins eleitoreiros.
Isso não quer dizer que todos os usos que podem ser feitos da liberdade de expressão sejam moralmente corretos, ou socialmente aceitáveis, vez que o discurso antiético e pouco construtivo, pode ser objeto de questionamento e ressarcimento no Poder Judiciário.
Quando os apontamentos indicados na propaganda, ainda que tenham desabonado a atuação do governo ou do político, ainda que pesadas e inapropriadas, não ultrapassarem o limite da discussão, inexistirá propaganda eleitoral negativa. Deve-se ater mais que aos reflexos da atividade propagandista, mas sim a motivação do responsável pela execução, sob pena de ser mitigado o exercício regular a liberdade de expressão e a atividade jornalística de cunho informativo.
O estabelecimento de comparações, a fim de levar o eleitorado à conclusão de que determinado candidato é mais apto ao exercício do cargo em disputa do que seu adversário político também não configura propaganda eleitoral negativa, vez que caberá ao leitor dos textos a análise subjetiva e individual intrínseca ao ato de escolha, esteio do processo democrático. E, neste contexto também deve ser sopesado as críticas ácidas e contundentes habituais entre os debatedores nas épocas de campanha eleitoral.
As discussões dentro do limite razoável do jogo político e na própria liberdade de manifestação do pensamento, mesmo que no acalorado clima de campanha, afasta a incidência do artigo 243, inciso IX do Código Eleitoral.
A Justiça Eleitoral já aplicou multas a sindicatos, dentre eles a APEOESP, por fazerem “campanha negativa” por criticas públicas contra Serra, estão sendo acusadas de atuarem para a campanha de Dilma. Segundo os julgamentos dos recursos havia sido demonstrado claramente o nítido intuito de beneficiar um dos candidatos à Presidência da República, de modo a prejudicar o outro. Ainda houve reprimenda aos sindicatos sob a alegação que eles não poderiam substituir-se aos partidos políticos em matéria de propaganda eleitoral, pela vedação do art. 24, VI da Lei n.º 9.504/97.
O governador CID GOMES (PSB), chegou a mover três processos contra o google para a retirada de vídeos cujo conteúdo foi considerado de ofensa direta a intimidade e honra do político, caracterizando então a propaganda eleitoral negativa, vez que criariam uma imagem pejorativa do candidato.
Um site do PSDB “gente que mente” também já foi objeto de perquirição sobre propaganda eleitoral negativa contra o PT e na época a pré-candidata Dilma Rousseff. Certa vez, uma servidora comissionada de gabinete da senadora Kátia Abeu (DEM-TO) usou um e-mail oficial da Casa para distribuir um texto com conteúdo contra a campanha de Dilma Rousseff (PT). Ela também já foi objeto de ataques nas redes sociais, por blogs e sites de adversários que rotineiramente a comparam a sua atuação ativa na ditadura com terrorismo.
Críticas objetivas a administração, não se traduzem necessariamente em anúncios positivos aos candidatos, como muitos tentam fazer crer hordienamente, sendo possível imaginar o que aconteceria se os aspectos negativos que os candidatos tentam a todo custo esconder e, muitas vezes com sucesso, não chegassem a conhecimentos dos eleitores.
Políticos com passados imaculados, impecáveis e infalíveis são raros, quase inexistentes, sendo que o restante é contaminado por fatos, que se fosse de conhecimento público, resultariam num resultado adverso nas urnas. Por isso as campanhas eleitorais negativas são largamente utilizadas durante as campanhas. Comobem disse William G. Meyer, num festejado artigo na Political Science Quarterly: “Nostalgia is not in general a helpful tool in policy abalysis.” e “"...is a necessary and legitimate part of any election..."2
As fraquezas e defeitos dos adversários, seus erros e falhas de caráter e desempenho ruins nas gestões podem ser divulgados como instrumento até mesmo de preservação da democracia em sua integralidade, mas é claro que não se trata de um absolutismo, deve-se zelar pela ponderação e objetivo claros.
A honra deve vencer a infâmia e a verdade sobre a calúnia, porque o candidato assim a merece e não porque conseguiu esconder seus atos desabonadores, muitas vezes respaldados pelo Poder Judiciário.
O “baixo nível das campanhas” em gradiente evidente daqueles denominados “limpos”, devem ser objeto do direito de resposta do candidato adversário, sem prejuízo das sanções inibitórias e indenizatórias na Justiça Eleitoral.
A Lei nº 8.713/93 que estabelecia normas para 03 de outubro de 1994, já predizia o seguinte:
“Art. 64. A partir da escolha de candidato pelo partido, é assegurado o exercício do direito de resposta ao partido, coligação ou candidato atingido por afirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa publicada em veículo de imprensa.”
O art. 66 do mesmo diploma citado, ainda proíbe o uso de montagens e trucagens na propaganda eleitoral, como forma de valorizar o caráter informativo das campanhas:
“Art. 66. A partir da escolha de candidatos em convenção, é vedado à emissora, na sua programação normal:
I - transmitir pesquisa ou consulta de natureza eleitoral em que seja possível ou evidente a manipulação de dados;
II - utilizar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo, ou produzir ou veicular programa, que possa degradar ou ridicularizar candidato, partido ou coligação;
III - veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido ou coligação, ou seus órgãos ou representantes.
Parágrafo único. A não-observância do disposto neste artigo enseja a suspensão das transmissões da emissora por uma hora no mesmo horário em que a infração foi cometida, dobrado o tempo em caso de reincidência.”
Neste contexto o paradigma que rompa com as regras de conduta e civilidade, de forma que prejudique a eficiência do outro competidor e afete as decisões do eleitorado, está agindo contra a própria democracia.
Parece ser necessária a distinção entre comparação, crítica e ataque. No primeiro caso, tem-se o argumento por base em paradigmas conflitantes entre si, a fim de mostrar o melhor deles. O problema reside nos dois últimos, sendo que a crítica deverá ser analisada sob a ótica de sua finalidade e deve ser isenta de subterfúgios capazes de maquiar incidências negativas que desvirtuem o objeto principal. E, o que deve ser rechaçado de plano são os ataques, que visam apenas a desmoralização pública do candidato adversário, sem a finalidade precípua de contribuir para esclarecer a população sobre fatos relevantes, ainda que negativos.
A Legislação Eleitoral destinou grande importância ao Direito de Resposta, como forma de remediar os efeitos das propagandas eleitorais negativas ilegais, conforme é possível depreender da Lei n.º 9.504/97, que estabeleceu normas paras as eleições:
“Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.”
O Direito de Resposta normatiza, harmoniza e tenta tornar equivalente a participação dos candidatos, de forma a desestimular a realização das campanhas puramente injuriosas.
Como bem exposto no acórdão abaixo, os Tribunais Superiores cuidaram de estabelecer uma diferença entre propaganda negativa e conduta puramente ilícita, não havendo razão para ampliação dessa tipificação:
“RECURSO ELEITORAL - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL - CONDUTA VEDADA (ART. 73, I DA LEI 9504/97)- CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS PARA VERIFICAÇÃO DE IRREGULARIDADES - DIVULGAÇÃO DE PANFLETO COM O RESULTADO DA AVERIGUAÇÃO - VIOLAÇÃO À LEI DE LICITAÇÃO QUE ESCAPA AO CONTROLE DA JUSTIÇA ELEITORAL - PROPAGANDA NEGATIVA QUE NÃO SE CONFUNDE COM CONDUTA VEDADA - RECURSO PROVIDO PARA SE DECRETAR A IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA.73I950”4 (32108 SP , Relator: FLÁVIO LUIZ YARSHELL, Data de Julgamento: 02/06/2009, Data de Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Data 09/06/2009, Página 05)
Com a explosão do uso da internet e o desenvolvimento estrondoso das redes sociais elevou sobremaneira a disseminação da propaganda eleitoral negativa em massa hordienamente. Alguns doutrinadores tentam atribuir à prevalência exclusiva da crítica pura, mas isso é algo praticamente impossível nas campanhas políticas, notadamente num mundo cada vez mais interligado, onde as opiniões se conglomeram e colidem rotineiramente, bastando um simples olhar pelas redes sociais (facebook, twitter, blogs,...), para a percepção o Poder Judiciário não pode abarcar uma teoria em completo descompasso com a atual sociedade, mais crítica e questionadora e com mais acesso a informações que há 20 ou 30 anos atrás. Pior, aqueles que militam pela aplicação das campanhas puras, tornariam todas as demais criminalizáveis, fato rechaçado pela Justiça Eleitoral, como veremos adiante.
Os provedores de conteúdo também não podem ser responsabilizados pela divulgação da propaganda se o material for comprovadamente de seu prévio conhecimento, à luz do parágrafo único do art. 57-F da Lei n.º 9.504/97.(Precedente: 762868PB, DJ: 15/03/2011)
Também não há que se falar em propaganda antecipada, na modalidade negativa, aos usuários de redes sociais não ligados diretamente a partidos políticos, que criticam, ainda que com certa carga emocional, as posturas dos candidatos à reeleição ou que desejem retornar a vida política, rememorando fatos ou acontecimentos ligados ao candidato.
Ao contrário do que aconteceu essa semana com o Partido dos Trabalhadores – PT, que foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral por propaganda antecipada em 2010, onde o ex-presidente da República, militante e representante maior do partido, Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que neste caso, fossem elogios abertos e direitos a então candidata a presidência. Os elementos diferenciadores serão sempre a finalidade a que se destina a crítica e o grau de afetação dos eleitores.
Se os fatos, artigos ou publicações não impregnam nenhuma nódoa na honorabilidade do candidato, ausente o aspecto nuclear da ofensa, que ficará sem direito a reparação do dano, bem com o direito de resposta, porque não caracterizado o artigo 58 da Lei n.º 9.504/97.
Ainda sobre propaganda eleitoral antecipada, na modalidade negativa, temos o emblemático Acórdão do RE n.º 7748-62.2010.6.24.0000, classe 42, PP X Gerson Basso, relatado pelo Desembargador Julio Guilherme Berozoski Schattschneider, onde havia acusação de infração ao art. 36 da Lei n.º 9.504/97, pelo Sr. Gerson Basso contra sua adversária Ângela Amin, veiculada através de uma postagem no twitter, pelo uso da expressão “fichas sujas” para caracterizá-los. O twit foi retirado e substituído por outro com uma nota de esclarecimentos. No processo, ao contrário da decisão anterior do TSE que havia reconhecido o ato infracional (Acórdão n.º 20.073, de 23.10.2002), não ficou caracterizada a antecipação de propaganda eleitoral, mas a advertência que o candidato poderia sofrer processos de ordem criminal e cível nos juízos competentes, pelo reconhecimento acertado da propaganda eleitoral negativa.
Não existe um conceito formado de propaganda eleitoral, assim, dentre os requisitos mínimos para a caracterização da propaganda eleitoral antecipada, na forma negativa, deve contar: a) veiculação da intenção de candidatar-se, ainda que de forma obscura, b) veiculação de propostas que aduzam ser o candidato melhor que o opositor; c) conteúdo propagandista expressamente pejorativo a honra ou imagem ou sem finalidade objetiva comparativa ou crítica. Não ocorrendo às três hipóteses em conjunto, não há que se falar em antecipação de propaganda eleitoral, sem prejuízo da possibilidade da recomposição dos danos pela propaganda eleitoral negativa.
Sem contar que deve ser levada em consideração a abrangência dos eleitores afetados, vez que o agravamento da pena ou até mesmo sua isenção estão ligados ao potencial de eleitores afetados, tal como ocorreria num grupo ínfimo de pessoas.
Em defesa a campanha eleitoral negativa, na modalidade crítica, como instrumento revelador da real identidade do candidato e de álamo a preservação da própria democracia, temos que a difusão do material de propaganda das realizações dos candidatos e de imprecações endereçadas à campanha eleitoral do adversário com modulação singular da retórica utilizada na campanha, não enseja distorção da realidade.
Carece de lastro se ventilar a manifestação de propaganda antecipada (na modalidade negativa) ou a própria propaganda negativa, pela mera veiculação de fatos que realmente ocorreram, quando não lhe é dirigido ao candidato nenhuma referência direta.
O assaque a honorabilidade teria então que estar em descompasso com a campanha produzida por mecanismos e meios legítimos de veiculação da mensagem e com a própria finalidade da propaganda publicada.
Colaciona-se alguns julgados favoráveis a todo o exposto:
RECURSO CÍVEL - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA - MÉRITO - ALEGAÇÃO DE ABUSO DO PODER ECONÔMICO E USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE JORNAL - MATÉRIAS DE CUNHO JORNALÍSTICO E INFORMATIVO - TIRAGEM NÃO EXPRESSIVA - NÃO CARACTERIZAÇÃO DAS CONDUTAS DESCRITAS NA INICIAL - RECURSO DESPROVIDO. (32538 SP , Relator: GALDINO TOLEDO JÚNIOR, Data de Julgamento: 21/05/2009, Data de Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Data 28/05/2009, Página 04)
REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. ALEGAÇÃO DE CONEXÃO. TESE AFASTADA. PROPAGANDA ELEITORAL. UTILIZAÇÃO DE PERSONAGEM QUE DEGRADA E RIDICULARIZA CANDIDATO. ARTIGO 53, § 1º DA LEI 9.504/97. PROCEDÊNCIA EM PARTE.1. Não se caracteriza bis in idem o ajuizamento Representação Eleitoral em que se busca direito de perda de tempo em razão da propositura anterior de representação visando direito de resposta pela veiculação de conteúdo que degrade ou ridicularize candidato. Suscitada conexão em processo já julgado, com pedido diferente, incabível o reconhecimento de conexão.2. A utilização de personagem que degrada ou ridiculariza candidato por meio de sátira utilizada de modo ofensivo enseja a proibição de veiculação da propaganda (art. 53, § 1º, da Lei 9.504/97).3. A reiteração da conduta proibida enseja a aplicação da pena de suspensão do programa eleitoral, nos termos do artigo 42, § 3º, da Resolução TSE nº 23.191/2009. 4. Representação procedente em parte. (565983 GO , Relator: DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, Data de Julgamento: 23/09/2010, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 23/09/2010)
Deve-se ter sempre em mente, que a campanha política não é um ambiente asséptico, nem pode escorar impedimento às críticas destinadas aos candidatos, a própria propaganda eleitoral e aos meios de difusão dos fatos, porquanto remanescer o interesse público e a prevalência da liberdade de expressão e pensamento político. O limite para a expressão destes pensamentos esbarrará apenas na honra alheia, vez que neste momento, haveria sido extrapolado a privacidade do candidato, bem igualmente tutelado pela Constituição Federal. Não havendo extrapolação desta justa medida, sob a modulação própria da retórica da campanha eleitoral, inexistem elementos para o reconhecimento da injúria, calúnia ou difamação perante a Justiça Eleitoral.
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Fontes:
1 – STEIBEL, Fabro, Campanha Negativa: Construindo o objeto de estudo, 2005.
2 - MAYER, William G. In Defense of Negative Campaigning, Political Science Quarterly, 1996.
3 - LIPPMAN, Walter. Public Opinion, 1997.
3 - Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo
4 - Tribunal Superior Eleitoral
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Guilherme Pessoa Franco de Camargo é advogado do escritório Franco de Camargo & Advogados Associados, atuante nas áreas de Direito Empresarial e Eleitoral em Campinas e região
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