Fábio Maciel Ferreira – Advogado
Sócio de Limongi Faraco Ferreira Advogados
A TEORIA DA INVERSÃO DO ÕNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO
Quando nos detemos em um processo, percebemos que a finalidade da prova é formar um convencimento por parte do juiz, a quem está afeto julgar a causa. Essa convicção assim obtida, permite ao magistrado compor a lide, através da resolução do processo. Portanto, a função da prova é a apuração da verdade através da certeza íntima do juiz.
Pode ocorrer, contudo, que as partes não consigam trazer aos autos a prova, isto é, a comprovação total e absoluta daquilo que alegam. Mas o processo precisa ter um final e, por isso, o juiz decreta a verdade no caso determinado a fim de não eternizar o debate, com base naquilo que tem em mãos. Como diz SÁ DOS SANTOS (2002), não nos compete questionar o que é exatamente a verdade, posto que isto já seria uma questão filosófica e, podemos acrescentar, pouco prática.
Todo aquele que alega alguma coisa em juízo precisa provar o que afirma. Mas, às vezes, a produção da prova fica muito difícil ou absolutamente impossível para uma das partes. A questão, grosso modo, é que, principalmente nos processos trabalhistas, o empregado não tem como administrar a sua vida como funcionário, já que tudo fica centralizado nos departamentos de recursos humanos. O empregado possui apenas a sua Carteira Profissional que registra o contrato de trabalho, férias, FGTS, etc. Assim, qualquer discussão sobre carga horária trabalhada, por exemplo, tem que depender de informações exclusivas do empregador. Conseqüentemente, a inversão da prova se dá quando cabe ao empregador provar que uma afirmação do empregado é falsa, através dos documentos que possui.
A inversão do ônus da prova é própria do processo do trabalho. O fato de sua existência está demonstrado, de maneira geral, na instrumentalidade do direito processual e, de maneira peculiar, no processo do trabalho, se assumindo até como uma das características do Direito Processual do Trabalho.
No tocante ao previsto no artigo 333, do CPC, é válido dizer que as partes se encontram, perante o juízo cível, em relação de igualdade. Isto não ocorre, porém, no processo do trabalho onde é impossível constatar o mesmo , posto que este possui diferenças e princípios próprios, como já se viu. Isto significa dizer que a desigualdade, na área do trabalho, existe de forma real e dá origem a uma também desigualdade na lei que, por essa razão, irá dar proteção maior ao hipossuficiente. Existe também entre os titulares do direito material e é corrigida por lei, não desaparecendo frente ao direito processual. Todavia, essa proteção não acontece com a mesma dimensão no direito adjetivo, justamente por se tratar de uma relação jurídica de direito público. Acompanhando a maioria dos autores, é correta a aplicação do ônus da prova, toda a vez que ocorrerem os requisitos previstos pela lei, quais sejam a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência de uma das partes.
A verdade é que o caráter único do processo do trabalho está alicerçado na própria singularidade do Direito do Trabalho. Desta forma, podem ser percebidas normas inalienáveis e irrenunciáveis onde, geralmente, o autor é uma pessoa modesta, trabalhadora, que tem na atividade por si realizada, seu meio de sustento para si mesmo e para sua família, geralmente numerosa. Justamente em relação às provas é que essas desigualdades se apresentam de modo mais intenso, calcadas, essas diferenças, na dificuldade que o empregado encontra para provar certas alegações, enquanto que o empregador apresenta uma maior facilidade, já que é ele, como estamos vendo, que possui disponibilidade da maioria das provas, especialmente as documentais, posto que é o gerenciador do processo de administração dos serviços e laços empregatícios.
Fica claro, portanto, que a igualdade entre as partes, que é um pressuposto do processo civil, não existe no processo do trabalho. As partes não possuem igualdade de condições (ou de informações) para discutir. É impossível tratá-las, as partes, sem levar em conta esse fato, pois ele também é uma exigência do próprio princípio de igualdade. É papel fundamental de um estado democrático de direito, assegurar à parte que apresenta uma desigualdade econômica e também jurídica, não só a capacidade de acesso à justiça, bem como não esquecer de levar em consideração que a desigualdade em questão pode permanecer ou se declarar no percurso do processo.
A inversão do ônus da prova está estabelecida no art. 6º, Inc. VIII, do CDC e está de acordo com o moderno Código de Processo Civil o qual, por sua vez, se configura como um importante instrumento para a obtenção do direito material, a fim de que possa existir um pronunciamento jurisdicional que esteja envolto de maior identificação com a realidade em que vivemos.
Segundo SÁ DOS SANTOS (2002), existem três teorias que tratam do momento propício para que o ato judicial possa determinar a inversão do ônus da prova:
a) no despacho inicial;
b) no despacho saneador;
c) na sentença.
Alguns juristas concordam que o momento ideal para a inversão do ônus da prova ocorre na sentença. Tal idéia é defendida também pelos autores do anteprojeto que teve como resultado direto a configuração do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Como argumento para a fundamentação dessas teorias, utiliza-se a constatação de que os dispositivos sobre o ônus da prova constituem-se regras de julgamento.
Essa colocação, no entanto, é questionada por dois motivos. O primeiro, por ofender, de maneira absoluta, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa; o segundo motivo refere-se às regras de distribuição do ônus da prova, que são de procedimento.
O objetivo maior da inversão do ônus da prova é de facilitar a defesa da parte menos favorecida. No que se refere ao procedimento comum de rito ordinário, alguns doutrinadores acham que o momento processual ideal para o estabelecimento da inversão do ônus da prova é o despacho inicial. Essa idéia também pode ser contestada, já que é impossível, na demanda, a fixação dos pontos controvertidos sem a peça contestatória. A produção da prova será caminho para dirimir o conflito por meio da demonstração dos fatos.
Entre as conclusões aprovadas no IV Congresso Ibero-Americano de Direito do Trabalho, consta a inversão do ônus da prova em favor do empregado, como uma das características do Direito Processual do Trabalho.
A doutrina conclama que a teoria da inversão da prova está em consonância com os princípios do interesse social (Principio da Proteção, Principio da Irrenunciabilidade, Principio da Continuidade da Relação de Emprego, Principio da Primazia da Realidade, Princípio da Aptidão Para a Prova e da Razoabilidade). Não fosse assim, o trabalhador que por acaso demandasse, estaria indefeso.
Bibliografia
SÁ DOS SANTOS, Maria Aparecida. A Inversão do Ônus da Prova. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002.