Era uma bonita e ensolarada manhã de domingo, alguns pássaros, com seu chilerar característico pousavam nos galhos das árvores ao redor.
O mar estava calmo, gaivotas, graciosamente, sobrevoavam pequenas ondas parecendo imitar alguma dança artisticamente coreografada. Os primeiros raios do sol invadiam, aos poucos, aquela imensidão de águas e montanhas que é a Praia do Pepino, em São Conrado, uma das mais bonitas da cidade do Rio de Janeiro.
Eu estava sentado, quieto, num dos vários bancos de concreto instalados na orla marítima, observava os primeiros banhistas que chegavam, inclusive algumas mulheres, belíssimas, de corpo escultural em sumários biquínis; mas eu estava triste, fazia uma semana que meu pai falecera e queria ficar sozinho, recordando etapas da minha vida.
Reflexões e arrependimentos
Durante anos aquela era uma das poucas vezes em que podia contemplar o crepúsculo da Natureza em toda sua beleza, isso porque era um dos poucos dias em que não acordava com uma enorme ressaca. A morte de meu pai me abalou profundamente, por isso evitava me embebedar.
Não era nenhum dos muitos ricaços residentes numa daquelas majestosas mansões de São Conrado, mas sim, um "peão de obras" sem moradia, sem família e sem dinheiro. Meu vício pelo álcool acabara com tudo, inclusive com minha dignidade; trabalhava na construção de um prédio ali por perto, "morava" no alojamento da obra e naquele momento eu só queria ficar ali, sozinho, sentado naquele frio banco de concreto; confuso, desorientado e sem forças para reagir aos meus fracassos e derrotas diante da vida.
Um anúncio que mudou tudo
O vento começou a soprar um pouco mais forte, arrastando consigo sacos plásticos, copos, pratinhos descartáveis e outros tantos objetos deixados por banhistas mais desatentos, trazendo também até "meu banco" algumas velhas folhas de jornal. Distraidamente peguei uma delas e comecei a ler, deparando-me com aquele anúncio: Alcoólicos Anônimos, se você quer beber, o problema é seu, mas se você quer parar de beber, o problema é nosso, com números de telefones para maiores informações.
Pensava eu que jamais admitiria que queria parar de beber; a cachaça era minha única companheira no meu mundo de insensatez onde a solidariedade e o calor humano estavam totalmente ausentes. Tentava apenas trazer um pouco da memória do meu velho pai para mim, talvez mentalmente pedir-lhe perdão pelo filho ingrato que fui.
Queria apenas saber de bebedeiras, indiferente às suas dificuldades, operário durante toda a vida trabalhando dia e noite, debaixo de sol e de chuva para sustentar todos nós, seus 11 filhos.
A primeira reunião de Alcoólicos Anônimos
Copacabana, Rio de Janeiro, julho de 1996, domingo, 9:45 horas da manhã, entrei naquela sala ampla, modesta, mas cuidadosamente arrumada. No ar pairava um agradável aroma, à frente uma mesa enegrecida e caprichosamente envernizada, dois senhores conversavam, cumprimentei a ambos e ocupei uma das diversas cadeiras simetricamente enfileiradas.
Aos poucos começou a chegar homens e mulheres de idades diversas; percebia-se que alguns eram de elevada classe social, outros, de situações mais modestas. Cumprimentavam-se e brincavam amistosamente entre si. Alguns me perguntavam se era a primeira vez que ia ali, se conhecia a Irmandade... e efusivamente davam-me as boas-vindas.
Às 10 horas em ponto eu começava a assistir, no Grupo Rio de Janeiro, pela primeira vez, uma reunião de Alcoólicos Anônimos. Empresários, comerciantes, artistas, operários, garis, moradores de rua, todos narravam suas amargas experiências enquanto viciados pelo álcool.
Meu depoimento
Na reunião posterior fui convidado a "prestar meu depoimento". Mesmo inábil para falar em público, consegui, timidamente, expor um pouco de mim. Estava com 46 anos de idade, sozinho. Meu relacionamento de 8 anos com minha última companheira acabara há 2 devido a fatores diversos.
Parcialmente aleijado da perna direita devido a um acidente, consequência de meus excessos de bebidas alcoólicas, não podia contar com minha família. Eram pobres, moravam em outra distante cidade e tinham seus próprios problemas. Também "aprontei" com meus parentes quando embriagado. Às vezes dormia em bancos de praças públicas, calçadas, debaixo de marquises, passando fome, sede e frio.
Quando conseguia, me alimentava de bananas podres de restos de feira. Em outras, conseguia algum trabalho temporário em obras, onde dispunha de um cantinho para descansar à noite e alguma alimentação. Eu já não tinha mais forças, esperanças ou outro motivo qualquer para continuar vivendo. Queria apenas uma ajuda daquele Poder Superior para parar de beber e, se não for pedir muito, uma oportunidade, por menor que seja, dos escombros reconstruir mesmo que em partes algo de útil na minha vida.
O desespero e a angústia falaram mais alto; incapaz de conter as lágrimas, dei por encerrado "meu depoimento". Curiosamente, todos bateram palmas, convenceram-me que eu era "um deles" e que as portas estariam sempre abertas para mim.
Um gesto de solidariedade
O primeiro Grupo de Alcoólicos Anônimos apareceu em 1935, em Akron, Ohio, EUA, cuja origem foi uma conversa entre o corretor da Bolsa de Valores de New York, Bill W., e o médico Dr. Bob, ambos bebedores-problema. A sede mundial fica em New York, EUA.
No Brasil mantém a Junta de Serviços Gerais de A.A., Caixa Postal 3180, Cep: 01060-970, São Paulo, Capital, com diversos grupos de A.A. em todas as cidades brasileiras. São facilmente localizados nas listas telefônicas, hospitais, delegacias de polícia. Caso você tenha na família, conheça, ou mesmo encontre algum bêbado caído nas calçadas, não o trate mal. Talvez tenha uma amarga história parecida com a minha.
Se não estiver agressivo, procure convencê-lo do Amor que Deus tem inclusive pelos fracassados. Talvez ele esteja precisando apenas de um gesto seu de solidariedade para também alcançar essa Graça Divina de passar 24 horas sem ingerir o "Primeiro Gole".