A anafilaxia é a reação de hipersensibilidade ou alérgica, sistêmica, severa e rápida, em relação à determinada substância ou alérgeno, ao qual o indivíduo foi exposto ou nele foi inoculado. Conforme experiência de Smith e Otto em 1904, cobaias que receberam uma injeção de soro de cavalo (sensibilizante) e após 15 a 20 dias (período de latência), receberam uma nova injeção do mesmo soro (desencadeante), apresentaram uma reação de hipersensibilidade, com quadro de dispneia aguda por broncospasmo, prostração, convulsões e morte em alguns minutos. Esta reação de anafilaxia sistêmica grave é o que se denomina de choque anafilático.
O choque anafilático deve ocorrer por uma reação antígeno-anticorpo muito rápida, e liberação de histamina pelos mastócitos sensibilizados pelo anticorpo anafilático, além de outras substâncias mediadoras ativas como a serotonina, a heparina e a bradicinina.
No ser humano, os sintomas e sinais do choque anafilático são: prurido palmar e plantar, urticária, vômito, relaxamento dos esfíncteres, edema angioneurótico (facial e agudo), dispneia grave, cianose, colapso vasomotor periférico, taquicardia, hipotensão arterial, sudorese, presença ou não de edema laríngeo (edema de glote). Deve-se lembrar que esta reação é mais comum em pessoas com idade entre 20 e 40 anos, maior nos que apresentam antecedentes alérgicos e menos frequente em crianças.
As reações alérgicas e anafiláticas estão diretamente relacionadas com a capacidade de certas macromoléculas (antígenos) de induzirem a geração de anticorpos (imunogenicidade, produção de imunoglobulina), sensibilizando o indivíduo, e de outra moléculas menores, os haptenos, que possuem a capacidade de reagir com anticorpos sem serem capazes de imunogenicidade. Neste último caso podem se situar os anestésicos locais, que em alguns raros casos, pequenas doses utilizadas em anestesias infiltrativas podem provocar reação alérgica imediata e que, rapidamente, pode tornar-se fatal. A etiopatogenia alérgica desta grave reação é discutida, mas à luz dos conhecimentos atuais sobre os haptenos e das estruturas moleculares dos anestésicos locais, é bastante provável que os mesmos possam produzir reações alérgicas de intensidades variadas.
Também podem induzir reações alérgicas, a aspirina (que como outras substâncias, podem liberar produtos dos mastócitos sem haver participação da imunoglobulina E no quadro clínico), a penicilina e outros antibióticos, vitaminas, sulfas, sulfonamidas (lembrar também dos diuréticos como a clorotiazida e a furosemida), iodo, além de vários outros fármacos, alimentos e seus conservantes. As penicilinas podem produzir choque anafilático em doses na casa do milimicrograma e as semi-sintéticas e cefalosporinas comportam-se semelhantemente às primitivas do ponto de vista imunológico, não sendo uma opção de substituição para os indivíduos alérgicos. São as penicilinas os antibióticos que mais pruduzem o choque anafilático, um caso para cada 7,5 milhões de injeções, porém, dessensibilizações, realizadas com doses subcutâneas crescentes, podem ser necessárias, como em gestantes sifilíticas.
Lembremos que a anamnese é fundamental para prevenção do choque anafilático e as medidas terapêuticas são as mesmas e independem do agente desencadeante.
Quanto ao diagnóstico diferencial, as suspeitas lembradas incluem infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar, reação de idiossincrasia, reação anafilactóide, reação vasovagal, epilepsia, asma aguda, urticária ao frio e outras situações. Lembrando que na reação anafilactóide tem-se um quadro de hipotensão com taquicardia e na vasovagal a hipotensão está associada a bradicardia. O rubor, a pele quente e exantema são sugestivos de anafilaxia, já a palidez, a pele fria e sudorese sugerem reação vasovagal.
Conduta de emergência para o choque anafilático:
1. Manter as vias aéreas desobstruídas, soltar vestes apertadas, manter o paciente em posição de decúbito ou Trendelemburg, sem levantar a cabeça. Colocar o esfigmomanômetro, monitorar pressão, pulso e ritmo cardíaco a cada cinco minutos.
2. Manter atenção durante as 24 horas que seguem o evento. O paciente deve ser removido para hospital após os primeiros socorros. Maiores recursos serão encontrados no hospital para a reposição de fluidos, para o controle da acidose, e se foi realizada a cricotireoidostomia percutânea poderá ser necessária à realização de traqueostomia.
3. Como a morte pode ocorrer por parada cardíaca, taquicardia ventricular ou colapso das funções cardiopulmonares, deve-se estar preparado para promover as manobras de ressuscitação cardiorespiratória.
4. Administrar adrenalina em solução milesimal (IM ou EV lenta e diluída, além da possibilidade da injeção intralingual ventrolateral). Pacientes que usam betabloqueadores, em doses mais elevadas, podem precisar de heparina (IM ou EV) se os mesmos não apresentarem resposta frente à adrenalina. Lembrar que a ideia é reduzir a liberação de histamina pelo efeito beta-agonista da adrenalina e a heparina reforça esta ação. Administrar oxigênio por máscara, o tubo oral (cânula de Guedel) para respiração e o aspirador podem ser necessários se o paciente tornar-se inconsciente ou semiconsciente.
5. Administrar soro fisiológico (0.9%) sendo que o acesso venoso deve ser obtido antes do colapso vascular.
6. Administrar prometazina (IM ou EV lenta).
7. Administrar corticosteróide (hidrocortisona ou dexametasona EV). Apesar do efeito o efeito não ser imediato é útil no restabelecimento do paciente.
8. Proceder a cricotireoidostomia percutânea em caso de edema glótico ou supraglótico, quando ser observa que o paciente passa a ter dificuldade para respirar.
Sabemos que a interrupção da ventilação pulmonar pode ocorrer no curso de várias doenças, por obstrução com corpo estranho e por reações alérgicas anafiláticas, produzindo espasmo ou edema da laringe (edema de glote). Neste quadro emergencial, em nosso consultório, a cricotireoidostomia percutânea, com agulha, será a medida de escolha ou o paciente poderá falecer pela ausência de ventilação pulmonar.
Lembremos que as traqueostomias requerem indicação e técnica operatória corretas, devem ser realizadas em centro cirúrgico por profissional capacitado e, ainda assim, podem ser acompanhadas de complicações imediatas e tardias. Uma traqueostomia de emergência fora deste contexto, pode ser uma solução radical em uma situação crítica e até salvar o doente, por outro lado, não é o caminho a ser trilhado pelo cirurgião-dentista em seu consultório. Nestes casos as complicações podem se multiplicar, incluindo a morte do doente, daí a escolha da cricotireoidostomia percutânea, com agulha. Este método permitirá oxigenação adequada por um período aproximado de 30 a 45 minutos, faz-se a remoção do paciente para hospital, e então, se for necessário, obter uma via definitiva de oxigenação, que pode ser a traqueostomia ou mesmo uma cricotireoidostomia cirúrgica.
As dosagens de medicamentos, o procedimento e o material para a realização da cricotireoidostomia percutânea com agulha, e outras informações estão disponíveis no site do autor: www.odontocardio.com .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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