MOÇAMBIQUE
ELEIÇÕES 2009:
“DOIS PEIXES COM LEGUMES”
QUINTA-FEIRA 18 AGOSTO 2009 15:40
O século XX foi marcado pela expansão da democracia como regime político. Inicialmente restritos a uma pequena parte do mundo anglófono e da Europa Ocidental, os regimes democráticos expandiram-se por todo o globo terrestre, em todos os continentes. Actualmente, a maior parte da população mundial vive sob regimes cujos líderes são competitivamente seleccionados através de eleições regulares com sufrágio universal, sendo que Moçambique, não constitui excepção. Após o acordo Geral de Paz, em Roma (1992), e na sequência da abertura política consagrada na Constituição de 1990, permitiu dar início a nível nacional, a realização de maneira participativa, democrática e por inclusão política de diversos processos eleitorais, tendo como início as eleições gerais multipartidárias em 1994. Passados mais três processos de eleições gerais (1994, 1999 e 2004) e três eleições autárquicas (1998, 2003 e 2008), sendo que praticamente, de grosso modo, todas as eleições foram caracterizadas por acusações de fraude e pelo não reconhecimento dos resultados. No âmbito da realização a 28 de Outubro do presente ano, de três eleições em simultâneo nomeadamente, as presidenciais, legislativas e, pela primeira vez, para as assembleias provinciais, o Secretariado Técnico de Administração eleitoral (STAE) lançou de 31 de Maio passado a 29 de Julho último, a campanha de educação cívica dos cidadãos sobre questões de interesse eleitoral, ao abrigo da alínea h.) Do n.º1 do artigo 7 da Lei 8/2007, de 26 de Fevereiro. De acordo com o glossário eleitoral, educação cívica é o “conjunto de acções de formação dos cidadãos sobre os objectivos das eleições, o processo eleitoral e o modo como cada eleitor deve votar”.
Com objectivo primário de disseminar mensagens relacionadas com a importância dos eleitores participar na votação, bem como na explicação do facto de este ano o país realizar três eleições em simultâneo, o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE) produziu um “spot” publicitário televisivo, vulgarmente conhecido por “dois peixes com legumes”, que gerou polémica em alguns partidos da oposição e personalidades, chegando-se ao extremo de acusarem o STAE de ter produzido uma publicidade favorável ao partido FRELIMO, pelo facto do referido “spot” publicitário passar com um fundo vermelho de forma deliberada, cor que identifica a FRELIMO. De referir, que face a estas e outras interpretações, o STAE viu-se forçado a fazer alterações na publicidade em causa, sendo que actualmente a publicidade passa agora com fundo amarelo, a cor predominante no símbolo da Comissão Nacional de Eleições (CNE), mas que inexplicavelmente havia sido preterida na primeira versão do referido “spot” publicitário.
Os eleitores são considerados, no mundo moderno, o principal suporte da democracia, especialmente na valorização da acção política e das instituições representativas. Em função dos resultados preliminares do censo de 2007 (20.530.714 habitantes), o número de moçambicanos com idade igual ou superior a 18 anos não pode ser maior que 10.75 milhões, e considerando que aproximadamente 70% da população moçambicana vive na zona rural, com acesso limitado à informação, qualquer intenção de educação cívica com vista à sensibilização para participarem activa e massivamente nas quartas eleições legislativas e presidenciais e no primeiro sufrágio para as assembleias provinciais de 28 de Outubro, há que pautar-se por rigor na produção e selecção dos “spots” publicitários, e necessidade de produção de material de educação cívica que tenha em conta a realidade sociopolítica e cultural do país, bem como melhores mecanismos de disseminação das mensagens. Buscando pontos de convergências em diversos pronunciamentos efectuados sobre o “spot” publicitário “dois peixes com legumes”, não estou convicto se este slogan causou influencia positiva para a participação activa e massiva nas quartas eleições a decorrerem no dia 28 de Outubro, porque, tenho que confessar que houve excesso de juízo subjectivo – opinativo sobre “spot” publicitário em detrimento da objectividade do conteúdo.
Fazendo fé aos dados sobre a abstenção eleitoral em Moçambique, tenho a referir que houve 12% de abstenção nas primeiras eleições multipartidárias realizadas em 1994, no ano de 1999 o número cresceu substancialmente para 32%, sendo que no ano de 2004 atingiu 64%. Qualquer esforço duma participação activa e massiva, e intenções de acabar com abstenção eleitoral devem ser “bem” contextualizadas, e baseadas em acções com uma viabilidade favorável. A mais importante das orientações analisadas pela abordagem sócias – psicológica é a «identificação partidária»: o facto de os indivíduos se identificar em com um determinado partido político contribui não só para os orientar face à complexidade das mensagens e estímulos políticos, mas também para os deixar mais susceptíveis aos esforços de mobilização por parte dos partidos.
Infelizmente, tenho que confessar, que acredito que o secretariado técnico de administração eleitoral, tem consciência que está trabalhando num país com aproximadamente 54% da população analfabeta, 70% vivendo na zona rural, pelo que em algum momento, deve assumir que perdeu oportunidade de privilegiar mensagens contextualizadas ao “país real”, pois são poucos moçambicanos que se dão ao luxo de ter no seu cardápio alimentar “dois peixes com legumes”, ou ter conhecimento da sua existência, isto é, pois poderia ter privilegiado melhor conteúdo, de maneira mais explicita e com maior objectividade, sendo sob minha análise, a cor de fundo do “spot” de menor importância embora haja necessidade do principio de “isenção partidária”. Com conteúdos similares, somente estaremos a contribuir para apatia dos eleitores pela difícil compreensão, por possuir características de publicidade comercial de produtos ou serviços. Mal maior também constitui a ausência da tradução simultânea (closed caption ou libras), de modo a assegurar que os eleitores surdos ou deficiente auditivo busquem esclarecimento necessário para uma votação consciente. Tenho dito, se o caminho pelo qual seguimos na reversão da abstenção eleitoral até hoje não nos levou a lado nenhum, mudemos de caminho. E, se for preciso mudar de novo, que façamos. Não importe quantas vezes erremos, o que importa é o quanto estamos aprendendo dos nossos erros.