ENSINO DE FILOSOFIA - REALIDADE OU UTOPIA

Lugar da Filosofia

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Este artigo tem como objetivo apresentar alguns dos motivos que levaram a filosofia a perder seu lugar na sociedade, a ser marginalizada, discriminada e encarada como um problema quando se trata de seu ensino, principalmente, no que tange a questão de seu conteúdo, isto é, o que se deve ensinar em filosofia? Que contribuições essa matéria pode trazer para o ensino de qualidade? Ensina-se a filosofar ou filosofia? É digno de nota que essas questões são irrelevantes, como também são as que insistem em buscar uma utilidade para a filosofia, elas não passam de obstáculos criados para manter a filosofia afastada, excluída. É como se a mesma representasse um grande mal que só traria mais problemas para a educação.

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Dessa forma, a fim de encontrar o lugar dessa disciplina, este estudo propõe um direcionamento para o ensino de filosofia encaixando-a na realidade do campo educacional brasileiro, relevando as exigências de pensamento que o tornem filosófico, desmistificando a definição de uma aula na qual a Filosofia parecesse mais uma disciplina, isolada, desligada das cotidianas expectativas que a envolvem tanto dentro quanto fora dos muros educacionais.

Pensar o ensino de Filosofia é uma necessidade imediata, uma vez que se tem uma determinação legal do Conselho Nacional de Educação que aprovou sua inclusão. E apesar da presença da Filosofia nas escolas ser encarada, a priori, como uma preocupação com a melhoria da qualidade do ensino básico, em especial no que diz respeito a estratégias de integração entre os conteúdos disciplinares, já que a mesma visa ao compromisso com o pensamento argumentado, isto é, constitui-se como uma disciplina da razão, voltada para a investigação dos aspectos fundamentais da realidade, dos modos de acesso a ela e da ação humana. (Rocha, p.22), sabe-se que ela foi simplesmente “jogada” dentro da sala de aula, sem um currículo decente a ser seguido.

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Assim, antes de qualquer coisa, é necessária uma revisão do currículo, uma vez que não se trata apenas de lutar por esse ou aquele conjunto de conteúdos e métodos de ensino. O ensino de Filosofia deve ser entendido como um debate sobre os problemas da realidade, do dia-a-dia tomando como base uma visão de mundo, poderíamos discutir “problemas”, supondo-se que a consciência e o entendimento deles é condição para a sua transformação.

Qual a relevância da Filosofia para o sistema educacional

Mas, para que filosofia? Essa pergunta tem a sua razão de ser. Em nossa sociedade, procuramos aceitar a existência de alguma coisa a partir de sua utilidade prática, visível e imediata. Logo, não se consegue ver uma serventia na Filosofia. A fixação pela utilidade das coisas cega os olhos da sociedade diante da importância da filosofia. Há também o medo da mudança, pois a Filosofia traz consigo inquietações que nos forçam a investigar e não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana, dizendo não às crenças e aos preconceitos do senso comum.

A Filosofia é importante porque para ela não basta um “eu acho que” ou um “eu gosto de”, é necessário enunciados precisos e rigorosos. Não se trata de dizer “eu acho que”, mas de poder afirmar “eu penso que”. O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual que não se contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e suas respostas sejam verdadeiras, sejam provadas e demonstradas racionalmente. Entende-se, também, que graças a uma reflexão filosófica somos capazes transformar nossas crenças e opiniões a partir de uma visão crítica das mesmas.

Diante desse raciocínio, percebe-se a relevância da filosofia para a educação, pensando num ensino pautado na criação de conceitos que dêem conta de seus problemas, pois qualquer elaboração que reconstruída a partir de algum ponto da tradição filosófica só interessa enquanto tem significação para os alunos, isto é, que excite seu pensamento e mobilize sua vontade de saber, de buscar. Para isto devem-se focar os trabalhos em problemas que façam parte do dia-a-dia dos educandos, de suas experiências cotidianas.

Além disso, é importante frisar que buscar uma orientação pelo pensamento, não implica em um “refletir sobre alguma coisa”, conforme Deleuze, adverte. Mas, implica sim num trabalho de produção de conceitos. Sabe-se que é uma tarefa difícil gerar condições para que o pensamento apareça como “necessidade” através da qual se desatará a “curiosidade” levando as pessoas a experimentar o pensamento como criação e descaminho. E por isso não se trata de propor algo para os alunos fazerem, nem mostrar como se faz; mas sim de um fazer com eles. Aprender a reconhecer o funcionamento dos discursos, a reconstruir argumento a partir da leitura, confrontando teses ou posições, emitindo juízos próprios e fundamentados.

O que se deve ensinar em Filosofia?

Quando se fala em ensino de filosofia, a primeira pergunta que surge é o que se ensina em filosofia? O contexto que envolve o ensino de filosofia é complexo, pois além de haver a grande discussão do que se ensinar em filosofia ou de como ensiná-la, há as necessidades da realidade escolar a serem levadas em conta. Torna-se necessário um enfoque na questão que se levanta sobre a cisão entre filosofia e filosofar. É clássico citar Kant quando se pretende defender que não é possível ensinar a filosofia, mas sim a filosofar. Contudo, é preciso perceber que não se trata de uma transmissão das palavras dos filósofos, como se faz com uma fórmula matemática, mas sim uma leitura da filosofia, revivendo-a. Assim, superando essa discussão entre se ensinar filosofia ou filosofar, devemos entender que a filosofia que se pretende ensinar na escola hoje sempre esteve presente em nossa história.

Outro fato que justifica seu ensino é a questão de atualmente acumulamos complicados processos que emperram a exploração das possibilidades de sermos humanos muito mais do que desenvolvemos uma prática reflexiva na criação de nossas subjetividades dentro de nossa cultura. Não praticamos filosofia no cotidiano. A postura assumida pelo senso comum diante do conhecimento é de crença na ideologia da ciência, das tradições, da lógica da indústria que na construção autônoma e crítica de si e do mundo. Pensamos num educar hoje a fim de transformar o educando em outro no futuro. Não se buscam modelos, padrões, mas deixar que o aluno seja ele mesmo, que ele se assuma. Uma educação que busca oferecer condições para o educando conquistar pensamento autônomo. O pensamento que conhece suas razões, que escolhe seus critérios, que é responsável, consciente de seus procedimentos e conseqüências além de ser aberto está disposto a se corrigir. Um pensamento que não permite a obediência inquestionável, o consumo automático ou infundado. Pensamento livre da ação baseada nos critérios da indústria, do preconceito, da coisificação. Uma ferramenta libertadora, ou seja, libertar-se das opiniões, das obrigações, da preguiça e do medo. Temos um ensino de filosofia como experiência filosófica único meio para se desenvolver esse pensamento.

Dentro dessa idéia de experiência filosófica encontramos a construção do aluno, criativamente por ele mesmo e também pelo professor. Mas, como passar por uma experiência filosófica? Ora, aproveitando as próprias inquietações dos jovens pela busca de compreensão, de significado e valor da realidade são genuínas e precisam de respeito para ser de alguma forma apaziguada pelas respostas complexas encontradas, por mais provisórias que sejam. Portanto, tudo deve partir de questões formuladas pelos alunos. Não há motivos para se pensar num ensino de filosofia não sendo este baseado em uma filosofia viva construída a partir das aflições humanas, do estranhamento e incômodo com a ordem vigente da vida. A filosofia deve ser assumida como tentativa de elaboração de saídas para problemas concretos, por meio da criação de seus conceitos. E cujas aulas sejam o lugar da experiência filosófica, com a finalidade de oferecer critérios para o educando julgar a realidade por meio da prática do questionamento filosófico e da construção de conceitos e através do exercício da criatividade e avaliação filosóficas. Assim, além dos critérios e do modo de pensar da tradição, do consumo e da ciência, o aluno passará a dispor dos critérios e do modo de pensar da filosofia para compor seu pensamento de forma autônoma e autoconsciente.

A importância da Filosofia

É importante ressaltar, também, a defesa de uma filosofia formadora que busca no desenvolvimento do homem, transformá-lo em um ser questionador e criador de respostas. Seu ensino não se reduz a um modelo a ser atingido no final do processo, não é formativa no sentido de conformar o ser num modelo acabado. Sua formação é processo continuo e único. Dessa maneira o professor, ele também, está sendo formado nesse processo. Espera-se desse professor de filosofia uma contribuição que transcenda a apresentação de suas habilidades e competências típicas de sua disciplina, sobre sua metodologia, sobre o planejamento curricular com a finalidade de um discurso despido da pretensão de uma superioridade da Filosofia.

Essa nova visão da filosofia nos leva a um novo modo de nos relacionar conosco, com os outros, um modo filosófico. Assim, o professor de filosofia, dentro do que entendemos, além de apresentar essa nova perspectiva aos alunos, deve orientá-los a pensar, a investigar e dialogar filosoficamente, criando saídas filosóficas para o problema investigado. E isso tudo deverá acontecer na prática. Na sua prática e na prática dos alunos. A intenção é mostrar um caminho e não uma fórmula a ser seguida e copiada, reproduzida. Nas aulas de filosofia como experiência filosófica, o professor é um orientador. Ele coloca à disposição de seus alunos instrumentos, meios que conhece para uma disciplina filosófica no pensamento. Traça com eles um objetivo comum: encontrar saídas para um problema elaborado pelos próprios alunos, de seu interesse, por meio da investigação e do estudo filosóficos. Enfim, sua orientação deve ter como base o incentivo e a atenção para as possíveis criações de novos conceitos por parte de seus alunos. Logo, esse professor deve ter uma ligação muito próxima com a filosofia, deve ter prazer com ela, para assim despertar esse mesmo interesse em seus alunos a fim de acabar com qualquer barreira que tenham criado entre a filosofia e a educação.

O professor de filosofia deve ser aquele que, acima de tudo, consegue construir um espaço de problematização compartilhado com seus alunos. Tendo sempre em mente que o ensino de filosofia é antes de qualquer coisa um ensino que busca atitude em face da realidade e, assim, ele tem que ser, sempre, consciente dessa maneira de orientar o pensamento. O professor deve se colocar como um modelo que provoca o desejo, não de ser seguido, mas superado. Assim, o professor deve perceber que apenas falar sobre filosofia não se está ensinando filosofia por isso deve ser orientador que possibilita a experiência filosófica em sala de aula, por meio do diálogo investigativo. Deve-se ter em mente que seus pensamentos e suas idéias não serão adotados como cópias, mas servirão de provocação de novas idéias e pensamentos. Se o professor não for um dos participantes desse diálogo, estando aberto a transformar-se ele também por intermédio dos outros, fazendo parte da experiência, as aulas de filosofia serão um “faz-de-conta”. “Faz-de-conta” de democracia, de conquista de disciplina filosófica no pensamento, faz-de-conta de criação de conceito, de formação de subjetividades autônomas. Isso não será educativo.

Nietzsche fala que o ensinar filosofia deve se pautar num querer que não é fácil posto que se trata de um querer abdicar de si, de um querer de amor. Isto é, o professor deve querer que seu aluno seja ele mesmo, não se importando com que isso signifique, o professor deve querer que seu aluno queira ser ele mesmo. Esse é um querer de busca radical da singularidade; seria o sair de si, perder-se a si mesmo como nos fala Nietzsche: “Uma vez que se tenha encontrado a si mesmo, é preciso saber, de tempo em tempo, perder-se – e depois se reencontrar: pressuposto que se seja um pensador. A este, com efeito, é prejudicial estar sempre ligado a uma pessoa” (Nietzsche, p. 50). Perder esse si mesmo, esse ego preso ao cotidiano histórico para alcançar esse homem que está em constante transformação, criação intencional de si, em busca do espírito livre.

Esse querer leva ao fato de o professor abdicar a idéia de ser o único detentor do conhecimento, leva ao abandono de arquétipos, ao abandono das imagens de nós mesmos que assumimos ao obedecer aos “tu deves!”. Se a prática do professor de filosofia se basear nesses fatos, estaremos perto da possibilidade de um verdadeiro ensino de filosofia.

Segundo Nietzsche o Estado obriga os educadores a instruir os educandos interessados em serem instruídos cotidianamente em hora estabelecida. Contudo, para ele, o que esse educador lecionaria? Sua preocupação se pautava na questão de que não seria possível ensinar filosofia, uma vez que o filosofo estaria constrangido pelo estado a pensar e ensinar seu pensamento.

Entretanto, esse problema apontado por Nietzsche pode ser superado se encararmos o ensino de filosofia como produção de filosofia. Entendendo as aulas de filosofia como experiência filosófica nas quais o professor não está sendo pago para ter idéias ou para ensinar idéias, mas sim para orientar um grupo que estuda e investiga junto, procurando provocar seus alunos para que tenham idéias. Isso não o impede de ter idéias e tratar delas sem receio, mas as mesmas não serão o fio condutor das aulas. Aulas de filosofia devem ser encaradas como um espaço de criação, no qual o professor de filosofia produz filosofia em sala de aula com os alunos. Contudo ser professor de filosofia não o impede de desenvolver seu trabalho de filósofo em outros grupos ou sozinho. Envolto em seu trabalho como professor ele terá que estar constantemente avaliando suas ações e seus cursos, e assim estará necessariamente envolvido com a filosofia do seu ensino e com a filosofia da educação. Poderá promover reflexões solitárias ou em grupos, poderá produzir textos, participar de congressos, entre outras atividades. Da mesma forma que poderá estar envolvido com outras questões e desenvolver trabalho filosófico na universidade ou fora dela. As aulas de filosofia como lugar de experiência filosófica são lugar de estudo e produção filosóficos. Nelas cada dia surge o novo, pois são espaços de criação. Trata-se, portanto, de provocar-se o surgimento do pensamento original, uma busca pela compreensão, a imaginação do que poderia ser e do que não está. Dessa forma o professor é o responsável pelo nascimento desse espaço, é um provocador. As relações que são criadas entre os participantes dessa experiência, revelam uma equipe ou um time que joga, não competitivamente contra um adversário, mas entre si, com o objetivo comum de construir saídas filosóficas para seus problemas.

As aulas de filosofia são desestabilizantes, pois assim é a filosofia: assim que acaba de encontrar-se, perde-se de novo, deliberadamente. Numa educação assim o educando decide e vive aquilo. E, como num jogo, o professor deve sempre deixar claros seus objetivos pedagógicos, seus métodos e suas estratégias para que possa existir a consciência e conivência de todos quanto às regras. Entretanto, para essas aulas de filosofia não há manuais, o professor deve inventar, podendo usar os livros para o ensino de filosofia existente no mercado como complementos, com a finalidade de trazer elementos para a criação própria de cada professor para cada aula. Esse fato conduz ao pensamento de que o professor deve ser o criador de instrumentos e estratégias, sempre inovando a cada diferente grupo, a cada diferente ano ou escola. Alguns se prestam a serem repetidos, outros não.

É papel do professor selecionar conteúdos, estratégias, atividades porque ele conhece a disciplina filosófica, conhece a história da filosofia, tem a sua experiência filosófica, pois os alunos não teriam condições de fazê-lo sozinhos. Mas, quanto à experiência filosófica dos alunos, o professor é orientador, ele conhece processos de filosofar e poderá ser o apresentador e coordenador do processo de filosofar com os alunos. Ele fará isso de maneira que dê espaço para o desenvolvimento do pensamento autônomo dos jovens, para contribuir com a formação de subjetividades originais. Ele quer educar o outro para ser outro.

O professor faz um programa de curso, decide coisas e mais coisas, mas aceita tentativas dos alunos, deixa espaço para que elas surjam, e espera que o aluno transcenda suas decisões e seu modo de fazer. Ao selecionar conteúdos o professor deve cuidar para fazê-lo de forma que monte um prisma em torno do aluno e não uma parede em sua frente, o que equivale dizer que o professor deve fazer essa seleção de maneira filosófica, tentando apresentar as diversas possibilidades de aspectos de se ver a questão. O conteúdo da filosofia, propriamente, é o filosofar, quer dizer, são suas questões, sua investigação ou “métodos”, sua linguagem, seus conceitos, sua história. Não se pode aceitar que se chame conteúdo filosófico o conjunto de idéias de um determinado pensador e muito menos que o professor os selecione a fim de levar seus alunos a determinadas conclusões.

Ao defender uma autonomia do professor na confecção do curso, supõe-se que ele tenha claras para si suas certezas educacionais e filosóficas. Dessa forma, se o professor não passa por uma constante prática de pensar filosoficamente sobre o ensino da filosofia, ele não conseguirá escolher critérios para selecionar conteúdos, estratégias e instrumentos para montar seu programa de curso. Se o professor não pensa filosoficamente sobre o significado de seu trabalho na escola, ele não tem autonomia para criar-se como professor e tampouco segurança teórica e reflexiva para defender sua prática. Cada professor, dependendo de sua posição filosófica/educacional, dependendo de sua realidade de sala de aula, poderá ter a liberdade de criar sua prática fundamentada em suas idéias, sempre reavaliada pela necessidade de revisão que a própria prática oferece. Não há no Brasil, hoje, a obrigatoriedade do ensino de filosofia para jovens na escola. Assim, não há programa definido, não há formas e conteúdos eleitos para o professor iniciante apoiar-se. Mais ainda, o professor deve estar seguro da sua idéia de filosofia na escola, de filosofia para jovens para poder ser um inventor responsável. Antes da prática, porém, deve-se ter a convicção de que essa seja uma boa maneira de se pensar e praticar o ensino de filosofia. Se a filosofia pode contribuir na educação do outro para ser outro, significa que ela se lança ao desconhecido. Assim, abdicar de qualquer poder de controle da formação para apreciar aquilo que possa vir a ser criado. O professor de filosofia aposta no que virá, mesmo que este seja desobediente à sua ordem das coisas, mesmo que este seja contrário e até incompreensível. O outro, autônomo, cria seu mundo e a si e o professor aposta.

O que impede a Filosofia de conquistar e ocupar seu espaço na sociedade

A questão da formação do professor de filosofia pode ser um dos obstáculos que a Filosofia encontra ao tentar conquistar seu espaço na sociedade. Isto é, ao observar a disciplina filosofia da educação no Brasil percebe-se que a mesma é entendida como sendo uma “reflexão sobre os problemas educacionais”. E que, segundo Deleuze, não passa de um conceito pobre e reducionista, pois, como o próprio defende, é obrigação de todo educador refletir sobre sua prática educativa, todo educando também deve refletir sobre a educação sob a qual padece, como também todo indivíduo de um grupo social deve refletir sobre a educação que essa sociedade produz. Ele afirma que a reflexão pode, sim, ser um instrumento da filosofia, mas deve existir na criação de conceitos, como tarefa primordial, o que não significa que ela seja especificamente filosófica, nem que a filosofia por isso se defina como essencialmente reflexiva. E, por isso é preciso combater a noção de filosofia da educação como reflexão sobre a educação, pois ela deve ser muito mais do que isso. Um outro ponto que também merece ser frisado é quanto à perspectiva de que a filosofia da educação forneça as bases sobre as quais um processo educativo deva se sustentar.

Contudo, como Deleuze afirma: “Nada faremos pela educação, se nos limitarmos a repetir velhos conceitos fora de contexto, a raspar esses ossos como cães famintos... Assim a filosofia da educação torna-se algo totalmente desinteressante, cada vez mais despotencializada” (Gallo, p.56). Enfim, essa disciplina deveria mostrar que o professor de filosofia deve ser um criador de conceitos, e não um mero repetidor de tudo que lhe foi apresentado durante sua formação. Não que seja desnecessário que o filósofo tenha intimidade com os problemas educacionais, mas trata-se de aplicar a esses, novas perspectivas, novas criações, pensando-os filosoficamente.

Também é graças a essa formação que temos professores que se enxergam como os únicos detentores do conhecimento. Entretanto, como já defendemos, o ensino de filosofia deve pautar-se na experiência filosófica onde o professor deve perceber-se como um militante – como nomeia Deleuze – ao qual é designada a função de operar ações de transformação, o responsável pela apresentação do novo e que enxerga nas situações vivida a possibilidade do novo.

Entretanto, é importante dizer que esses obstáculos têm sua razão de existir. Isso porque vivemos uma educação maquilada, controlada remotamente por seus planos curriculares ríspidos, frios e desmotivadores, e que é aceita pela sociedade sem resistência, sem questionamento. Logo, se tem uma educação conveniente para uma sociedade imersa no comodismo. Assim fica claro e evidente que a filosofia não tem lugar e nem é bem quista nesse cenário educacional, nessa sociedade sem identidade, uma vez que nem é do interesse do estado o despertar da mesma, nem é do interesse da própria despertar. Já que o despertar leva a um estado de reflexão, e a reflexão exige mudança.

Deleuze, porém, acredita numa educação viva, capaz de mudar seu cenário e sua sociedade e é diante disso que percebemos onde a filosofia se encaixa e qual é sua função dentro dessa mudança. Para ele existe uma “educação maior”, que é instituída, controlada, a educação das políticas públicas de educação, dos parâmetros e das diretrizes, aquela da constituição e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pensada e produzida a serviço do poder; e uma “educação menor”, que deve funcionar como máquina de resistência, um ato de revolta, um ato de singularização e militância.

A educação maior é uma grande máquina de controle, de produção de indivíduos em série, ou seja, de pessoas padronizadas, adestradas a pensar o eu lhes é permitido, como se o pensamento, se o agir de cada indivíduo fosse um chip controlado remotamente pelo estado. O filme The Wall do Pink Floyd retrata fantasticamente essa educação. Uma educação de fábrica de “indivíduos-zumbis”. A escola do filme transforma suas crianças em bonecos sem face e, que aos poucos, são triturados em um imenso moedor de carne. Essa escola é fruto de uma educação ditatorial que prega e cobra o que ensinar, como ensinar, quando ensinar, para quem ensinar e por que ensinar. Onde “cada estudante é, nada mais, nada menos, do quem um outro tijolo no muro; ou uma outra engrenagem na máquina” (Gallo, p.65).

Todavia, é possível identificar uma engrenagem solta nessa máquina controladora. Isto é, o princípio da educação maior como máquina de controle pressupõe um ensino correspondente a uma aprendizagem. Mas, é necessário entender que o aprender não é uma conseqüência do ensinar, ele está para alguém que encontra, mesmo que seja algo que não tenha sido procurado. Assim a aprendizagem está para além de qualquer controle. Se, é algo que foge ao controle, resistir é sempre possível.

Com isso:

Pode-se “desterritorializar os princípios, as normas da educação maior, gerando possibilidades de aprendizado insuspeitadas naquele contexto. Ou, de dentro da máquina opor resistência, quebrar os mecanismos, como ludistas pós-modernos, botando fogo na máquina de controle, criando ovas possibilidades. A educação menor age exatamente nessas brechas para, a partir do deserto e da miséria da sala de aula, fazer emergir possibilidades que escapem a qualquer controle” (Gallo, p.67).

É tarefa do educador militante, portanto, acender e manter aceso o desejo de resistir, pois ao escolher como será seu trabalho na escola, estará escolhendo para si e também para todos aqueles com os quais irá trabalhar, provando, com isso, que na educação menor, não há a possibilidade de atos solitários ou isolados, mas sim em uma ação coletiva. Uma coletividade que é minoria dentro da educação maior, mas que não se rende aos mecanismos de controle, que resisti a ser engolido e incorporado a essa imensa máquina de controle. A educação menor deve ser encarada como “máquina de resistência” na qual a filosofia é a maior responsável, uma vez que ela dá a base para educação transformar o educando em um outro, ou seja, uma educação que encoraje seu aluno a se torna um indivíduo com pensamento próprio, personalidade forte, que também saiba reconhecer o outro percebendo suas diferenças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste estudo, é possível concluir que o ensino de filosofia desde que este esteja pautado na experiência filosófica contribui substancialmente para uma educação de qualidade. Assim, partindo da experiência filosófica, na qual se tem a construção do aluno, criativamente por ele mesmo e também pelo professor, temos um ensino de filosofia baseado em uma filosofia viva, que se cria e recria a partir das aflições humanas, de sua percepção e incômodo diante da ordem vigente da vida, uma filosofia formadora no sentido do desenvolvimento do homem como um ser que busca compreensão, ser que questiona e cria saídas.

Dentro dessa perspectiva a filosofia deve ser encarada como tentativa de elaboração de saídas para problemas concretos, por meio da criação de conceitos. E cujas aulas sintetizem o espaço da experiência filosófica, onde o professor é um orientador que coloca à disposição de seus alunos instrumentos, critérios para que estes possam julgar a realidade por meio da prática do questionamento filosófico e da construção de conceitos. Assim, além dos critérios e do modo de pensar da tradição, do consumo e da ciência, o aluno passará a dispor dos critérios e do modo de pensar da filosofia para compor seu pensamento de forma autônoma e autoconsciente.

Acreditamos que esse ensino só se concretizará realmente se a sociedade perder seu preconceito para com a filosofia. É mais que urgente a superação dessa falsa idéia que se tem dessa disciplina, uma imagem deturpada por uma educação controlada pelo estado. A filosofia deve ser encarada como o meio de se enxergar o mundo, interagir com ele a partir de uma reflexão sobre o mesmo e sobre sua relação com esse e por isso o seu ensino não só é possível como é necessário para uma educação de qualidade. Um ensino que se realiza por meio da experiência filosófica diante da qual o professor se apresenta como orientador e instigador do gosto pela busca do conhecimento pelos seus alunos.

BIBLIOGRAFIA

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GALLO, Silvio. Deleuze & a Educação / Silvio Gallo. – 2. ed. – Belo Horizonte: Autêntica, 2008;

LARROSA, Jorge. Nietzsche & a Educação / Jorge Larrosa; traduzido por Semíramis Gorini da Veiga – 2. ed., 1. reimp. – Belo Horizonte: Autêntica, 2005;

NIETZSCHE F. Humano, demasiado Humano. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção “Os Pensadores”);

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal Editora, 2001.

ASPIS, Renata Pereira Lima.O Professor de Filosofia: O Ensino de Filosofia no Ensino Médio como Experiência Filosófica. Artigo encontrado no endereço: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v24n64/22832.pdf.