O meu amigo, jornalista Roney Lobato, iniciou um artigo em um determinado momento suscitando-nos a uma reflexão. Devolveria o troco que, por ventura, a funcionária do caixa teria lhe dado errado, se você tivesse percebido o erro? Ou faria de conta que não tivesse visto? Entregaria ao dono uma possível mala de dinheiro, encontrada na rua, se você soubesse de quem ela era? São perguntas para muitas pessoas difíceis de serem respondidas nos dias de hoje. Isso, porque o famoso “jeitinho brasileiro”, aliado à degradação dos princípios éticos tem falado mais alto no cotidiano do nosso povo. Pela escrita do autor, esse comportamento seria algo cultural no Brasil, tanto é que em outro trecho do mesmo artigo ele cita exemplos de pessoas que se tornaram notícia pelo fato de devolverem malas de dinheiro ou bens de valor considerável aos seus respectivos donos. Deveria ser regra, mas é exceção. Os valores confundem-se e não temos mais certeza do que é correto e do que não é, do que é ético e do que é antiético e assim por diante.
No ambiente corporativo vemos e ouvimos vez por outra que um determinado profissional foi demitido, pois era suspeito de espionagem ou tráfico de informações. Diz a lenda que Bill Gates trabalhou na Apple, roubou ideias e segredos para em seguida fundar a Microsoft. Certa vez Steve Jobs sobre isso disse: "Como eu me sinto com Gates ficando rico com as ideias que tivemos... bem, a meta não é ser o homem mais rico do cemitério". Outro caso “famoso” é o da Coca-Cola que teve acesso a segredos de estratégias de vendas e marketing da rival Pepsi. A marca Pepsi era franquia do grupo argentino Baesa e tinha como objetivo aumentar sua participação no mercado brasileiro de refrigerantes, controlado pela Coca-Cola, que dominava cerca de 50% das vendas, comparado com 6% da Pepsi. A Baesa tinha como objetivo chegar a 30% de participação no mercado em poucos anos. Foi descoberto que um técnico de som gravou reuniões da Baesa e entregou as fitas das conversas à Coca-Cola, que ficou sabendo de todos os planos estratégicos da Pepsi, podendo assim tomar as medidas adequadas para se prevenir. A Pepsi, que conseguiu aumentar as vendas no começo para 8% do mercado, despencou para 4% em tempo muito curto e depois de seis meses o grupo Baesa vendeu a franquia da Pepsi para a Brahma.
Poderíamos citar vários outros casos envolvendo marcas conhecidas. Reduzindo a discussão para micro-ambientes, um conhecido meu tem uma fórmula de molho especial para sanduíches, que não conta nem para a esposa. Mesmo no período em que não atuava no segmento de alimentação, agora voltou, divulgou a tal receita. Outro exemplo parecido, empresário do setor de veículos, um amigo de longa data, descobriu, não sei como, um jeito de fazer doce de leite sem a adição de açúcar. Foi inclusive entrevistado em programas de Tv onde os jornalistas tentaram de todas as formas, sem sucesso, extrair o segredo. Posso garantir que o doce é uma delícia.
Mas onde queremos chegar, de maneira objetiva, com essa discussão? O objetivo é saber, ou propor uma reflexão, sobre até que ponto é interessante repassarmos os conhecimentos aos nossos funcionários e estagiários. Um autor, não me lembro o nome, afirmou que o conhecimento não vale absolutamente nada se não puder ser compartilhado. Por outro lado uma antiga professora minha do curso Gestão Estratégica em Marketing disse que devemos ensinar o “pulo do gato” e não o “puuuuuuuulo do gato”, ou seja, nunca ensine tudo sob pena de criar um concorrente futuro.
Em época de concorrência desleal e acirrada é sempre prudente tomar certos cuidados. Os valores estão distorcidos, as pessoas não se respeitam e não existe consideração para com o outro, como afirmou Lobato em seu artigo. Hoje você estende a mão, apoia, ensina, ajuda, e amanhã poderá ser surpreendido com uma sonora bofetada. Pior, isso é normal. Por mais que saibamos disso, é difícil aceitar tal comportamento, considerado uma traição. Mesmo saindo do padrão clássico da traição, que remete-nos ao adultério, atitude assim pode ser tão dolorida e sofrida quanto. Mas o mercado é frio, pessoas são calculistas por estarem neste contexto. Embora simpatize mais com a teoria do citado autor desconhecido, não dá para desprezar a opinião da minha “querida e velha professora” Ruth.