Existencialismo e a Morte

O existencialismo é caracterizado como uma corrente filosófica e literária, de grande influência nos questionamentos acerca da existência humana. Sendo denominada erroneamente por muitos, como ‘filosofia pessimista’, por focalizar aspectos do sofrimento, inerentes a condição humana em suas diversas vertentes; fatores como morte, solidão, angústia, que ajudam a entender a existência de forma mais totalitária. A função dos existencialistas é libertar o homem das formas degeneradas da angústia, para isso, aborda questionamentos como, liberdade, existência e essência humana, no intuito de perceber o sentido da vida para o ser-no-mundo. O existencialismo originou-se, no século XIX e XX. Um contexto de certa turbulência, desencadeada por duas guerras mundiais, que influenciaram a visão dos pensadores, nessa relação de sofrimento que o homem vivenciou, percebendo o caráter miserável e irracional da humanidade. O existencialismo foi inspirado em alguns pensadores como; Arthur Schopenhauer, Kierkegaard,Nietzsche, Husserl, Heidegger, que deram ao existencialismo um segmento intelectualizado no estudo da condição humana. Outra perspectiva existencialista difundida no século XX é de pensadores como, Sartre, Camus e Beauvoir, que foram conduzidas por compromissos políticos. A junção das contribuições desses pensadores delineou o existencialismo.

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Partindo de um panorama minimizado de aspectos existenciais, iremos abordar um dos questionamentos expostos pelo existencialismo; A Morte. Quando estudamos mais detalhadamente percebemos que essa temática, já fazia parte das indagações humanas há muito tempo atrás. Os homens sempre se mostraram curiosos a entender, como se da seu surgimento, seu destino e que propósito rege a finitude de sua existencia. Nesse contexto percebemos o medo e insegurança que assola o homem no que diz respeito a morte, por ser um lado desconhecido da existência ou da não-existencia. Filósofos como Platão já cogitavam sobre esse assunto, “A inquietude do homem perante seu próprio destino, o que lhe é reservado no futuro, e incessante procura de uma explicação para a vida e a existência, são os reais problemas que impulsionam o homem e o motivam a viver...” Quando traçamos um paralelo com a visão existencialista, observamos que a vida não teria tanta motivação para ser vivida, já que ela seria finita e entrelaçada com o terror que a morte inspira, dessa forma, a finitude da vida traria ao homem um alívio, pois a morte daria a existencia um caráter detotalidade que não pode-se tê-la em vida, onde o homem teria umanecessidade ontológica de autotranscendência.

No pensamento de Schopenhauer, se o sentido mais próximo e imediato de nossa vida não é o sofrimento, nossa existência é o maior contra-senso do mundo, pois o simples fato de existir implicaria em sofrer, sendo um absurdo supor que a dor infinita, desencadeadapelo desejo e necessidade essencial da vida, não traria sofrimento constante. Schopenhauer conclui que “o certo é encarar a morte comoverdade vindoura e efetivação de vida enquanto morte – vida e morte – encontro e desencontro. “Cada um mira a própria morte como o fim do mundo.” Quando paramos para observar o rio passar, na verdade, o rio é que está a nos ‘ver’ passar. Porque, depois de nós, o rio estará ali. Quando observamos o desencarnar de alguém, o vemos como passando por nossa vida, quando na verdade nós que passamos na vida dele. Tudo é relativo. Schopenhauerembasa muito dos seus posicionamentos na vontade que rege a natureza humana. A vontade intrínseca de estar vivo despertaria o desejo deexistir e a necessidade de viver. “Podem mudar a direção da vontade, mas não podem mudar a própria vontade”, dessa forma vemos que mesmo diante da agrura do existir, o homem não mudaria a essência da sua vontade, que é a de continuar vivo. No sarcasmo de Schopenhauer, o filosofar seria produto da existência do morrer, “quando somos a morte não é, e quando a morte é, não somos mais.” E nesse ziguezague de existência e não-existência, há sempre a predominância de apenas uma das polaridades, ou seja, quando a vida dá seu ultimo ‘grito’ silencioso de não-existência a morte dá o seu ‘grito’ estrondoso de ‘vida’. A morte e a ação do morrer é a própria vida.

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Para muitos filósofos antigos a morte significava a dissociação entre corpo e alma, representaria o processo de purificação desta alma, onde se encontravam a essênciae a verdade. Muitos pensadores existencialistas acreditam que é atraves do corpo que setem acesso a realidade profunda do ser, o corpo conceberia ao homem a consciência interna de que ele é um em-si. Há um antagonismo dentre essas duas perspectivas pois, ocorrendo a dissociação do corpo e da alma, ao morrer, o homem perderia a estrutura que ampara sua consciência e quebusca a verdade no mundo, dessa forma a alma não daria segmentoa existencia sem a vitalidade corpórea. Outro paradigma que podemos expor é: ‘Penso, logo existo’ ou ‘Existo, logo penso’? Para os existencialistas a visão cartesiana de que o pensamento precede a existência, é ilógica porque você necessita primeiramente da condição de existir para posteriormente poder pensar.

Kierkegaard, outro pensador existencialista, defende a idéia de que ‘o morrer a própria morte significa viver’, esse pensamento se aplicaria tanto no âmbito individual quanto coletivo, pois a minha morte ou a morte de outrem representaria uma condição do viver, tanto pra mim, quanto para os espectadores do meu morrer. Como o ser é sempre um ser-com-outros, durante nossa existência percebemos diversos morrer, já que a morte do outro implicaria de alguma forma a morte de ‘certa’ parte de mim que fazia parte do outro. A dor do existir consiste em ver a morte avassalar a existência do não-eu, percebendo que não consigo ensaiar o meu morrer, com a morte do outro, já que é uma dasexperiências únicas e intransferíveis. O morrer e o não-morrer não consiste apenas no tocar em um corpo anestesiado e sem sensibilidade, consiste em querer ‘sentir’ e perceber umasubjetividade humana, que não mais está acessível, a não ser, através de relatos, escritos ou até mesmo memórias. È interessante frisar que algumas pessoas mesmo depois de morrerem ‘permanecem’ mais ‘ativamente’ na vida de alguns que ficam, que muitos vivos. Essa ‘permanência’ se dá no sentido de que, algumas pessoas ficam ‘presas’ emocionalmente a existência dessa pessoa que se foi e acabam não percebendo os vivos que ficaram e que continuam existindo. Nessa direção o morto, não existe no mundo, mas em termos de ente, “aqueles que ficam podem ainda estar com ele”. Pelo fato de o ente ter seu lugar no Ser, ninguém precisa se afligir. Sabemos que, ente é aquilo que é. Se ente é aquilo que é, ao morrer o homem deixa de ser o que é, existe ou pode existir para ser- o- que -foi.

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Na perspectiva de Sartre,a morte seria uma passagem para um absoluto não-humano, o morrer seria viver as possibilidades do não, saber que essa autotranscendência é a vida, vida em morte, seria o marco determinante para o fim da existência. Essa existência finita atribui ao homem o caráter detotalidade, de uma forma individualizada, só eu posso me completar, já que ninguém pode morrer por mim, só eu posso interromper meus projetos de vida, com a minha morte. Já Heidegger acredita que a morte deve ser um ‘projeto’ de vida, e que a morte ocorre também através da morte de outros, dessa forma o outro contribuiria no meu processo de totalização, uma vez que, a cada morrer uma parte de mim se vai junto, pois uma consciência e umasubjetividade que me compreendia não existe mais. Segundo Heidegger, em seu termo utilizado para designar o ser do homem, o Dasein não necessita nada, porque o ser se mostra como projeto e antecipação de sua própria morte, o ser se realizaria apenas na condição de ter existido no mundo. ‘O homem é o ser que existe, ao contrario de outros seres e objetos queapenas são. ’ Ele é diferencial porque é um ser para-si. “O fato de estar- no- mundo constitui por si só, determinante de muito sofrimento e desespero.” Poderíamos dizer que mesmo morrendo essa parte de mim que continua existindo no mundo em nível de memórias continuaria sofrendo, uma vez que, alguns vivos possam angustiar com a minha morte.

Objetamos algumas perspectivas existencialistas que semostram inaplicáveis para a realidade humana. Para Sartre ‘a morte é a única coisa que ninguém pode fazer por mim’. Perguntamos-nos, seria mesmo a única coisa? Existem inúmeras coisas que ninguém pode fazer por mim, desde vivenciar diversas emoções e situações, como por exemplo, necessidades fisiológicas, ninguém pode sentir e fazer por mim, porém todos trazem em sua essênciaa capacidade de fazê-las e senti-las a nível individual assim como eu. Você não pode morrer por mim, mas traz em si, a condição do morrer, que será experienciada algum dia e de alguma forma por você. No ângulo da visão sartoriana, a morte seria uma passagem para um absoluto não-humano. Essa colocação soa inconsistente, acreditamos que a morte seria justamente o contrária, seria uma passagem para o absoluto-humano, pois é na morte que se tem a convicção de ter vivido na condição de humano, ou seja, aquele ser que é finito, e quealcança sua totalidade na ausência da vida.O homem, tal como o concebe o existencialista, sea princípio não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer. Concluimos que, na condição de existencia, a príncipio o homem é nada, por não ‘estar’ definível. No processo de constituição da sua essência, arquitetando sua totalidade, passaria a ser-o-tudo, no desenvolvimento de sua consciência de ser-no-mundo. Nesse processo do ‘viver’, o homem estaria destruindo sua existencia e construindo a sua essência a medida que o tempo passasse, para morrer, e conferir a condição de ser-o-tudo no mundo, ja que após a morte o mundo não daria mais suporte para a condição do ‘estar vivo’. Dessa forma, após a morte o homem voltaria a ser o nada, existindo só a nível de consciência para os indivíduos que continuam na condição de vivos. Vale lembrar que, a metamorfose para uma lagarta é a sua morte, seu fim de mundo, o homem considera isso uma transcendência e a chama de borboleta. Então existir e não-existir, pode depender apenas de um fator; o ponto de vista. Numa adaptação da citação de Voltaire, poderia dizer que buscar a existência na morte, consiste em procurar, num quarto escuro, um gato preto que não está lá. Mesmo diante de tantos posicionamentos vistos acerca da morte e da existência humana, lidamos apenas com suposições, crenças, e pensamentos, não se pode ainda definir e generalizar o que a morte e a existência representam.

BIBLIOGRAFIA

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Angerami, Valdemar Augusto (2007). Psicoterapia Existencial: 4º Ed. Ver. – São Paulo: Thomson Learning Brasil.

O Mundo Como Vontade e como Representação. Trad. Jair Barbosa. São Paulo: Unesp, 2005, Tomo I. Schopenhauer e a metafísica do pessimismo 269

BARBOSA, Jair. Schopenhauer: A decifração do enigma do mundo. São Paulo: Moderna, 1997. _______ Schopenhauer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003. Deyve Redyson 268

CHAUÌ, Marilena. Convite á Filosofia. São Paulo, Ed. Àtica, 1995.

PLATÂO. FÉDON. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo, Ed. Nova Cultural, 1972.

Sites:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Existencialismo

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sartre

http://pt.wikipedia.org/wiki/Schopenhauer