Extração dentária em usuário de anticoagulante oral

Este artigo tem como origem o livro eletrônico “Procedimentos Odontológicos em Cardiopatas”, de minha autoria, e disponível no endereço mencionado no final do texto .

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Diversos são os acidentes e variadas as complicações que envolvem a exodontia, sejam locais, gerais ou afetando alguma função orgânica, muitas vezes sem uma explicação definitiva. O procedimento exodôntico sempre nos preocupa, seja pelo trauma local, pela infecção, pela anestesia, por ter que lidar com o lado psicológico do paciente, pelas patologias pré-existentes e não gostaríamos de somar a isso uma hemorragia pós-operatória. Tal fato não é incomum em pacientes saudáveis em função da alta vascularização da região, das enzimas salivares que produzem lise do coágulo e do movimento constante da língua sobre a ferida. Isto tudo nos leva a multiplicar os cuidados frente ao paciente que possui alguma patologia hematológica, ou que faz uso de anticoagulante oral ou antiagregante plaquetário. Lembremos que crescem as indicações médicas, incluindo as preventivas, quanto ao uso de anticoagulantes orais, portanto devemos redobrar a nossa atenção frente ao risco de hemorragia. Não devemos nos esquecer das circunstâncias ou patologias presentes e que são os motivos da indicação do anticoagulante oral, como o uso de próteses valvares cardíacas, a fibrilação atrial crônica, a embolia pulmonar, a trombose venosa crônica e outras. Suspender o anticoagulante pode, em muitos casos, trazer complicações fatais.

Um teste para detectar alguma deficiência no mecanismo da coagulação sanguínea é a determinação do  Tempo de Protrombina (TP). O aumento do Tempo de Protrombina em relação ao controle, utilizando o método de Quick, significa que deve existir alguma deficiência no mecanismo da coagulação. O método de Quick consiste em combinar cálcio e tromboplastina a plasma citratado, e aí medir o tempo para a formação do coágulo. Porém, desde 1983, está recomendado o uso da Razão Normalizada Internacional, RNI, como parâmetro de controle da ação anticoagulante do medicamento em uso. O valor do RNI é determinado a partir da relação de diversos valores, e dentre eles o TP do paciente. O RNI estando abaixo de 3,0 pode o paciente ser submetido às diversas cirurgias orais menores, como a exodontia, desde que sejam utilizados recursos hemostáticos adequados. Na maioria dos casos, os pacientes que fazem uso de anticoagulantes orais costumam ter o RNI entre 2,0 e 3,0. Somente para pacientes com alto risco para hemorragia pode o RNI ser baixado para 1,5, quando então o médico assistente poderá suspender temporariamente a varfarina, podendo fazer uso, ou não, de heparina em função do risco de tromboses.

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O que trataremos a seguir, é a conduta na prevenção e tratamento da hemorragia nos procedimentos exodônticos em pacientes que fazem uso de anticoagulante oral ou de antiagregante plaquetário. Poderíamos, sob melhor julgamento, estender em parte esta conduta, quando o paciente for portador de anomalia hematológica congênita, de doenças degenerativas hepáticas, de hipertensão e outras patologias. Devemos dar grande importância a anamnese, ao conhecimento da anatomia topográfica local, ao adequado conjunto instrumental, aos medicamentos e aparelhos para as emergências, ao bom planejamento e avaliação quanto à oportunidade e necessidade do procedimento, e o uso de correta técnica operatória. O cirurgião-dentista ao atender este tipo de paciente deve compartilhar informações e avaliações com o médico que o assiste.

A delicada curetagem do alvéolo, seguida da manobra de Chompret, sutura, compressão ou tamponamento da ferida com um chumaço de algodão enrolado com gase umedecidos com soro fisiológico por três horas, seriam os procedimentos básicos após a avulsão do dente, e assim se obter adequada formação do coágulo e boa reparação dos tecidos. Em dentes decíduos não costumo realizar a sutura e faço apenas o tamponamento da ferida. Porém, o paciente que faz uso de anticoagulante oral precisa de outras medidas em função do risco de hemorragia estar aumentado, embora eu não tenha achado na literatura, de forma bem documentada, algum caso de hemorragia séria após cirurgia odontológica em pacientes que usam varfarina e cujo RNI esteja dentro do intervalo terapêutico. Cito a seguir algumas medidas adicionais que podem ser tomadas, principalmente pelo fato de não ser conveniente a suspenção do uso do anticoagulante oral:

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a)     Extrações simples são preferíveis em relação às múltiplas.

b)     Suturar usando agulha atraumática com seda preta 3.0.

c)      Avaliar com o médico assistente se há a indicação de uso por via oral de antifibrinolíticos, como o ácido épsilon-aminocapróico ou o ácido tranexâmico, este mais potente. A administração de antifibrinolíticos por via oral deve ser iniciada 24 horas antes do procedimento cirúrgico e até 7 dias após o mesmo. O médico assistente poderá estabelecer o plano terapêutico para o paciente no que se refere a estes medicamentos.

d)     Fazer uso tópico de antifibrinolíticos no pré e pós-operatório, como por exemplo, um comprimido de acido épsilon-aminocapróico dissolvido em ½ copo d’água ligeiramente morna (37/38ºC). No pós-operatório o uso pode se estender por até 7 dias, lavando-se a boca, sem bochechar, por 2 minutos, até quatro vezes ao dia.

e)     Para dentes permanentes, usar esponja ou cubo de fibrina ou colágeno, e trombina, tamponando o alvéolo, sob a sutura. Usar a compressão do local com algodão enrolado em gase umedecidos com soro fisiológico por 3 horas ou com ácido tranexâmico por 30 a 60 minutos.

f)        Pode-se utilizar o bochecho prévio ao ato cirúrgico com solução aquosa de ácido tranexâmico a 4,8%, e lavagem por 2 minutos, sem bochechar, por 7 dias, após o procedimento, usando 10ml desta solução, quatro vezes ao dia.

g)     Nos casos de dentes decíduos, comprimir o local com esponja de fibrina e trombina por 30 a 60 minutos, depois se faz a compressão com o gase e algodão umedecidos com soro fisiológico por até três horas. Conforme o risco, deve-se substituir o soro fisiológico por ácido tranexâmico, caindo o período de compressão para 30 a 60 minutos. Esta última opção também pode substituir a compressão com esponja de fibrina, sempre considerando o risco de hemorragia e o controle que se está obtendo sobre o sangramento.

h)      Orientar quanto à dieta (líquida ou pastosa) e o uso externo de gelo, por meia hora, quatro vezes nas 24 horas seguintes a exodontia.

i)        Instruir o paciente, por escrito, que lave a boca, sem bochechar, com ½ copo d’água na temperatura de aproximadamente 37ºC, com um pouco de sal ou com um comprimido de acido épsilon-aminocapróico dissolvido, conforme item “d”.

j)        Rever o paciente em quatro dias e remover sutura em 7 ou 8 dias.

Nota: Conforme as orientações atuais do British Committee for Standards in Haematology (BCSH), da American Heart Association (AHA) e do American College of Cardiology (ACC), a prevenção da hemorragia pós-operatória através de bochechos com ácido tranexâmico ou ácido épsilon-aminocapróico, após extrações dentárias, está indicada sem que se proceda a interrupção da terapia anticoagulante oral. A European Society of Cardiology (ESC) tem a mesma posição quanto a não interrupção da terapêutica anticoagulante, porém, considera que o RNI deve manter-se entre 2 e 2,5.

Torres Diniz, P.R. Cirurgião-dentista, CROSP 28116, graduado em 1983 pela FOUSP. Página na internet: www.odontocardio.com