Um vereador evangélico de Ilhéus, Bahia, Alzimário Belmonte (PP-BA), é o autor da lei que recomenda aos alunos das escolas municipais a rezarem o “Pai Nosso” todos os dias antes das aulas. O deputado federal Pr. Marco Feliciano (PSC-SP) apresentou o projeto Papai do Céu nas Escolas. http://noticias.gospelprime.com.br/marco-feliciano-apresenta-programa-nacional-papai-do-ceu-na-escola/#ixzz1nuIMWEPm
No tempo em que a escola pública era boa, a Igreja Católica Apostólica Romana tinha influência direta sobre os alunos, e a promoção da primeira comunhão mobilizava a escola inteira. Funcionava como uma espécie de garantia a sobrevivência da ICAR. Crianças não gostam de se ver excluídas e assim tentava-se direcionar os catoliquinhos ao futuro dela.
As precariedades da América católica, e suas decorrências, fizeram com que as igrejas evangélicas – vindas majoritariamente da América do Norte – disputassem o terreno palmo a palmo, para que um dia o Brasil se tornasse igualzinho aos Estados Unidos da América do Norte. E, quem sabe, os brasileiros do futuro fossem loiros, altos, bem nutridos, branquinhos e de olhos azuis. Todos unidos em Cristo pela família e a pátria. Alguns brasileiros queriam assim.
O sentimento de inferioridade ajuda muito nessa incursão. Dê-lhes culpa e mantenha-os inseguros para que acreditem que aquele povo mais bonito e bem-sucedido é que detém a chave da sua felicidade. Propalar o fracasso do mundo latino ibero-americano das formas mais sutis é fundamental. O que é mais sutil do que Deus? Porém, a resposta brasileira não tardou. O nosso bravo Bispo Macedo implantou a IURD em solo norte-americano. Hummm... tá pensando o quê?
Certa vez, fui abordado por um daqueles missionários mórmons, muito ativos no Rio de Janeiro. Na verdade era um par, um gringo e um brasileiro. O gringo era do tipo mariner, com cabelo escovinha e tudo. Foi ele que se dirigiu a mim. Em princípio, deixei-o na sua lengalenga, até que lhe fiz uma pergunta bastante desconfortável: ─ Ora, pelo que sei vocês empunham um fuzil e vão para qualquer parte do planeta matar gente que nunca lhes fez mal algum. Como é que podem nos falar de amor ao próximo? Suas consciências não os incomodam nisto?
─ Não. Obedecer ao governo é obedecer a Deus. Está no livro de Mórmon e em Paulo também.
Passaram-se décadas para que eu fosse entender aquele rapaz. Não creio que ele tivesse plena consciência das próprias palavras. Certamente, não. Só pude perceber o que de mais profundo estava por baixo dos conceitos religiosos comuns, depois de tomar conhecimento de uma obra intitulada A Essência do Cristianismo, de Ludwig Feuerbach. Não se trata de assunto complicado de filosofia, como se pode imaginar. Ao contrário, é bem simples.
Vou reproduzir um parágrafo de outro artigo meu, porque cabe perfeitamente naquilo que pretendo demonstrar: Ludwig Feuerbach conclui algo interessante a respeito de Deus, enfocando o homem religioso, por entender que o homem retira de si a sua essência mais elevada e mais nobre para adorá-la fora de si como Deus. O ser absoluto, o Deus do homem é a sua própria essência. Visivelmente, Feuerbach identifica algo no homem que é ele mesmo, mas está acima dele, e não se encaixa na realidade circundante. É como se o homem só conseguisse a melhor relação consigo mesmo de forma indireta, ritualizada e “purificada” da natureza a sua volta. Como o crente pode duvidar de Jesus, se Jesus está nele? É Jesus, é o Deus vivo como qual ele conversa e o ampara intimamente. Existe um provérbio árabe que diz: “Creia numa pedra, e ela te salvará”.
O pensamento do missionário “mariner” pode ser compreendido pela manipulação da dicotomia existente entre o sentimento e a razão. Segundo Feuerbach, a razão nada sabe dos sofrimentos do coração. Ela é isenta de angústia, paixões e sentimentalismo de toda ordem. Não se subjuga às coisas, subjuga as coisas. É a consciência categórica e implacável, fonte da identidade lógica. É a consciência da necessidade do critério, da lei, por fim. Somente através da razão pode o homem agir em contradição com seus mais caros sentimentos.
Aquele que sofre lavagem cerebral está realmente obedecendo a Deus ou a compreensão que tem disso, muitas vezes apenas reagindo à força da própria cultura. Assim, ele pode ser levado facilmente à guerra e cometer barbaridades que jamais faria em outras circunstancias, mesmo não-beligerantes. Soldados dos lados em conflitos oram para Deus e os capelães encomendam suas almas sem contradição alguma. Claro, que para quem percebe o que é Deus e o que é guerra. Na guerra contra o Iraque muitos soldados norte-americanos tiveram que aturar a chacota dos veteranos quando perguntaram pelas armas químicas de destruição em massa.
─ Que arma química o quê! Aqui os bandidos somos nós, kkkkk
A guerra destrói o indivíduo mais pelo conflito de valores. Creio que um soldado grego, romano ou judeu não sofresse tanto psicologicamente, na Antiguidade, quanto sofreu e sofre um soldado ocidental nas duas últimas grandes guerras e nos dias de hoje.
http://www.youtube.com/watch?v=X-Ip-eXFE_g
Fica evidente que o desejado equilíbrio entre a razão e o sentimento está indissoluvelmente ligado a evolução do autoconhecimento humano. Sendo a consciência de Deus a consciência que o homem tem de si mesmo, como o homem ainda se conhece pouco, Deus ainda é um imenso mistério acima da sua própria compreensão. Essa inconcebível margem de desconhecimento é a porta aberta para o playground da esperteza e do abuso, que muitos não querem ver fechada de modo algum.
Chega de simbologias exploradoras da ingenuidade do povo brasileiro. Ele pode ser pouco instruído de propósito, mas não é burro não. Abusar do sentimentalismo dele, para se aproveitar das suas fraquezas, é coisa daqueles que, com a bíblia na mão, se servem do Mal travestido de Bem. Os judeus não privilegiam o sentimento em detrimento da razão, como nós o privilegiamos culturalmente. Chego a lembrar da kipah (gorro em forma de cúpula) que eles usam em ocasiões religiosas para lembrá-los de que há “alguém” acima deles, o que seria um modo de protegê-los ritualisticamente das armadilhas do próprio orgulho.
Nada há de complicado nisso. São os interesses escusos e os rabos-preso que complicam para que não se entenda nada. As sociedades brasileiras precisam estar atentas ao crescimento político dos currais eleitorais da bancada evangélica, suas reivindicações e poderio financeiro. Só não mandam seus adversários para a fogueira por falta de oportunidade. Aja vista, a reação raivosa de tantos homens do “povo de Deus” contra quem ousa uma palavra de esclarecimento. Eles poderiam mudar a constituição com um plebiscito e aí...