O perigo dos Shafts
Antes de abordar o assunto foco deste artigo achei que deveria comentar sobre dois dos grandes incêndios que ocorreram no Brasil.
O primeiro deles aconteceu no dia 24 de fevereiro de 1972, no edifício Andraus em São Paulo, o edifício era construído em alvenaria, tinha 31 pavimentos e acabamento em pele de vidro, o incêndio provavelmente começou nos cartazes de publicidade que eram colocados sobre a marquise do edifício. Mesmo tendo ocorridas 16 mortes e 336 feridos o fato que gostaria de ressaltar é que boa parte dos sobreviventes foram resgatados pelo Heliporto no topo da edificação.
O segundo incêndio ocorreu dia 1º de fevereiro de 1974 no edifício Joelma, ele possuía 23 andares e também era construído em alvenaria, neste caso ocorreram 179 mortos e 320 feridos. Assim como no edifício Andraus, muitas pessoas tentaram buscar abrigo na cobertura enquanto esperava por resgate, mas desta vez o incêndio conseguiu se propagar verticalmente com uma velocidade tão grande que eles terminaram sem saída.
Analisando os dois casos em paralelo caberia uma pergunta. Porque no edifício Andraus as pessoas que subiram ao telhado esperando resgate tiveram sucesso, já no edifício Joelma as pessoas que tentaram não o obtiveram? Bem, existem diversos motivos que variam desde a ausência de conhecimento no ramo de incêndio durante elaboração do projeto da edificação até a velocidade do ar que atingia as edificações no momento do incêndio.
Estes dois sinistros deram início aos estudos sobre incêndio no Brasil, hoje, existe uma malha de normas internacionais, normas brasileiras e normas específicas de cada estado, entrelaçadas de uma maneira tão complexa que dificulta a escolha dos métodos mais adequados de prevenção e combate a incêndio para cada caso.
Existem várias técnicas para retardar ou conter um incêndio, a mais comum delas, conhecida como Compartimentação, deve ser empregada durante a elaboração do projeto de arquitetura. Ela se divide em dois tipos, Compartimentação horizontal e compartimentação vertical, a idéia básica de ambas é fazer com que o fogo e a fumaça de um ambiente sinistrado não se alastrem para salas e pavimentos adjacentes ao seu foco, este atraso do alastramento termina sendo fundamental para a evacuação do local, e ainda facilita o combate executado tanto pelos brigadistas quanto pelo próprio Corpo de Bombeiros.
As técnicas de Compartimentação referidas neste artigo podem ser verificadas na Instrução técnica n º 9/2004 do Corpo de bombeiros de São Paulo assim como em diversas outras literaturas. O objetivo desta carta é tratar especificamente de um dos vilões costumeiramente esquecidos nos projetos de arquitetura ou mesmo nos projetos de combate a incêndio, trata-se do shaft.
Os shafts são aberturas em edifícios que permeiam vários pavimentos subseqüentes e são utilizados para instalação de fios, tubulações e afins, mas quando eles não são levados em conta no projeto de combate a incêndio, a empresa responsável pela execução termina fazendo a sua selagem de forma incompetente, transformando um elemento aparentemente inofensivo em um risco grave de segurança. O entendimento deste fato está ligado diretamente à maneira a qual a fumaça se desloca sendo, portanto essencial conhecer um pouco do seu universo.
A fumaça é constituída de aproximadamente 200 tipos de partículas diferentes, sua temperatura pode chegar a 600º Celsius e ela é responsável por cerca de 70% das mortes durante um sinistro. Como sua densidade é menor que a do Ar, quando a fumaça encontra alguma abertura entre os pavimentos ela sobre por convecção, desenvolvendo novos focos de incêndio, diminuindo a visibilidade e criando uma atmosfera tóxica em pavimentos adjacentes ao verdadeiro foco do sinistro.
Tendo em vista evitar a expansão vertical do incêndio, uma das medidas que precisa ser tomada é a selagem destes vãos criados pelos shafts. Uma das normas que exige este tipo de selagem é a instrução técnica nº 09/2004 do Corpo de bombeiros do estado de São Paulo nos item 5.2.2.2 que diz o seguinte:
a) No interior da edificação, todas as aberturas no entrepiso destinadas às passagens das instalações de serviços devem ser vedadas por selos corta-fogo; tais selos podem ser substituídos por paredes corta-fogo de compartimentação cegas posicionadas entre
piso e teto;
b) As aberturas existentes nos entrepisos, devem ser protegidas por vedadores corta-fogo, construídas e instalados de acordo com NBR 11711
Diria ainda que as paredes dos shafts devem ser do tipo corta-fogo assim como os elementos que fazem a sua comunicação com o ambiente.
Um detalhe importante é o tipo de material que será escolhido para se fazer à selagem corta-fogo, o critério que deve ser utilizado é o tempo mínimo de resistência, sob ação do fogo adotado para a edificação. Existem muitos materiais empregados para este fim, alguns exemplos são a Fibra Cerâmica, a Massa corta-fogo, o Gesso e o Cimento Corta-fogo.
Para finalizar gostaria de dizer que seria excelente se todos os estados homologassem normas relativas aos tipos de proteções passivas conhecidas, mas enquanto isso não acontece, podemos utilizar da relação custo/benefício bem interessante dos métodos passivos de proteção contra incêndio para justificá-los.
Victor de Sá Alencar e Moraes