O TRÂNSITO É UM ESPAÇO PÚBLICO E PRECISA SER COMPARTILHADO COM RESPONSABILIDADE

Nos últimos anos, as questões que envolvem o tema trânsito têm se tornado assunto em evidência e freqüentemente provocam intensas e calorosas discussões, tanto nas conversas informais entre amigos, quanto nos grupos de especialistas que avaliam, planejam e projetam os espaços do trânsito. Afinal, ainda temos a equivocada cultura de que todo brasileiro “se acha” um pouco técnico tanto no trânsito quanto no futebol. Com o crescimento populacional desordenado e como conseqüência da falta de planejamento urbano das últimas décadas, a maioria das cidades brasileiras têm sofrido na tentativa de organizar de uma forma menos problemática o seu sistema viário. Tarefa árdua e complexa, que muitas vezes acaba sendo trabalhada apenas sob a visão técnica. E, infelizmente a visão humana fica relegada à segundo ou terceiro plano. Aliados a falta de planejamento, ao crescimento populacional exagerado e desordenado, ainda temos os hábitos e costumes baseados na tese de que “o povo brasileiro é apaixonado por carro”. Quando falamos em trânsito, é comum percebermos que uma das primeiras palavras que nos vêm à cabeça é carro, veículo, movimento. Com o desenvolvimento de novas tecnologias e com o avanço da indústria automobilística, as montadoras apostaram no desenvolvimento de carros cada vez mais confortáveis, luxuosos e potentes. Os veículos acabaram se tornando, para a maioria das pessoas, a representação e a expressão do status, do poder e da cultura do “ser através do ter”. As agências de publicidade apostam cada vez mais em propagandas violentas e insistentes que acabam por expressar e vender a (falsa) sensação de poder que é possível conseguir ao pilotar um determinado veículo. É só dar uma olhada nos comerciais que são veiculados na televisão ou dar uma navegada pelos sites das marcas mais conhecidas no mercado, para encontrarmos expressões comparativas e que induzem as pessoas à obtenção do prazer e do poder através do carro, como por exemplo:
• Peugeot. Dirija esse prazer.
• CrossFox. Compacto pra quem vê. Valente para quem anda.
• Honda. Dá asas a sua imaginação.
• Descubra com a Ford o que é viver o novo.
• Fiat Idea Adventure. A vida na cidade é uma aventura.
• Kangoo Express. Pra você que pensa grande.
• Scenic. Mude sua vida de direção.
• Corolla. Meu carro é numero 1. Paixão mundial.
• BMW. A fórmula exata do prazer e perfeição.
E, por aí vai...

Em nenhum momento percebemos as montadoras ou as agências de publicidade explorando a venda de seus veículos através dos itens e dos acessórios de segurança. Nenhuma das marcas explora a venda dos carros utilizando imagens e mensagens que transmitam os princípios de uma direção defensiva, que ressaltem a segurança e a necessidade do respeito pelo espaço coletivo e compartilhado que é o trânsito.
Todas, sem exceção, vendem a imagem da competição, da corrida e da disputa. Este é certamente um dos motivos que têm gerado tanta violência e competição no trânsito. Faz-se necessário, que todos os setores da sociedade reflitam sobre essas questões e modifiquem seu foco e sua visão quando tratarem do tema trânsito. Trânsito é um espaço público. E, portanto, é um espaço coletivo, compartilhado. Nos espaços compartilhados os deslocamentos, ou seja, o tráfego, deve estar em perfeito equilíbrio com as demais atividades desenvolvidas e as pessoas devem ser priorizadas. Afinal, você já parou para pensar que todos somos pedestres? Nem todos somos motoristas ou ciclistas, mas todos somos pedestres. De acordo com o holandês Hans Moderman, Idealizador do projeto “ESPAÇO COMPARTILHADO” (projeto que vem sendo desenvolvido com sucesso em várias cidades da Europa e que prioriza o desenvolvimento de uma nova política para projetar os espaços públicos, tratando do trânsito como um espaço em que se deve priorizar o ser humano e não o veículo) – “... é fundamental que haja respeito ao ser humano. É preciso oferecer maior espaço para as pessoas nos locais públicos. É necessária uma íntima cooperação entre especialistas das mais diversas áreas (engenharia, arquitetura, psicologia, educação, lazer e eventos, saúde, etc) e os usuários dos espaços públicos, para a sua projeção. O trânsito deve ser percebido como um espaço público, onde o respeito ao ser humano é fundamental.“Vivenciar o trânsito sob uma visão mais humanizada e não apenas sob o olhar técnico (não esquecendo é claro, que as contribuições dessa área são fundamentais para que se possa projetar, planejar e executar as ações e as melhorias) certamente é um dos primeiros passos que precisamos dar. Passos que nos farão trocar a paixão pela máquina, pela paixão pelo ser humano, pois temos que começar a pensar em pessoas quando falarmos em trânsito e não em máquinas apenas.

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