Primeiros passos para uma canção equivocada. A origem da minha espera.

Hoje, não quero representar nada para ninguém, muito menos para você. Minha moléstia me destrói e minha visão pessimista das coisas me torna menos brilhante do que realmente sou ou almeje ser. Minhas palavras já não têm mais a alegria de antes.

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Os meus primeiros passos para a vida, foram sem dúvida lastimáveis, comecei por onde se teria o fim, e na terra plantada procurei logo a colheita. Pés descalços procurando um chão repousam sobre a árvore que permite um abrigo secreto e escondido de toda sorte de tristeza que eu possa encontrar. Na vida percorremos por dois caminhos, e eu escolhi o caminho torto. A farsa dos almocreves me consome, e percebo o quanto minto sobre minhas escolhas.

A árvore que ali parava está, fica observando os meus desaforos inconstantes, minha voz fraca e sem convicção, sobre o caderno riscado, com mensagens patéticas me tornam o mais desprezível dos seres viventes. A espera de Godot estou, e ele não vem, a espera de algo que nunca chega segundo Beckett, criador da farsa metafísica, é o marco inicial de uma busca constante que perfaz todo o nosso prazer inatingível, a busca implacável pelo ser sobrevivente que imprime em seus atos o mais blasfemável repudio ao que não se pode palpar, só temer e aceitar. A busca, a espera, a espera ,a ES-PE-RA, a ES-FE-RA.

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As confusões a qual me refiro, é inerente a todos que tem um senso comum de imaginação por inquietação pessoal, o herói espia o pecado de ter nascido e a figura ensaísta representa o pecado original sendo o maior delito do homem, o seu nascimento.

Caminha em um descampado com árvore, Entardecer, é o primeiro momento em que Estragon e Vladimir se encontram, sós, parceira antiga, esperam por Godot que não verdade nunca virá, seu encantamento está no afastamento, no não existir, e se de fato Godot se tornar real, não o terá valor algum, uma vez que sua magia está no látego, na corrente que prende as duas personagens vivas, a esperança da quinta-essência, extrato levado ao último apuramento que seduz a luz, ao  supérfluo, ao incondicional. O homem é mais fraco e mais vil do que se julga e suas idéias são mais inúteis do que se possa contestar, “A sabedoria do homem, não vale um par de botas curtas” e sua plenitude está na ignorância, na espera incansável, e se está, por sua primazia se tornar possível, já não mais suprirá a remota possibilidade de ascensão, pois não se faz escolha, adorar por encantamento, mais sim pela remota idéia do que se tem de Moloc.

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As suas decidas, voltas, voltas, descidas, saciam o grande inquisidor segundo Dostoiévski que há em cada transeunte, a lascívia que  experimenta cada cidadão, remete ao  transcendental, ao enquadramento quase que abstrato do pérfido despojo dos atos incuráveis. Apesar de conter suas expectativas acerca do que não se vê inerte em sua existência, o homem prefere contestar, até concorda em grau, porém se abstém se resguarda para que não venham a se comprometer e apesar de o beijo queimar-lhe o coração, este persiste na sua idéia.

A presença de Pozzo e Lucky na obra de Beckett se mostra constante, afinal, de que vale a espera se não se pode sonhar? Outrora, no dia seguinte o passado já não terá validade e estaremos repletos de cegueira branca e mudez incontestável. Pode um homem ficar cego da noite pro dia e tão pouco surdo? O esquecimento pode se fazer presente, e este pode ser a felicidade? Quem não for medíocre que se jogue na cova dos leões, e quem não souber de seu passado de que se adiantará ter momentos felizes? O estiolamento da luz refaz a diferença entre estar e viver, entre buscar e esperar.

Canções mal feitas para minha voz permeiam o meu castelo e a mais pura perfeição ao que se pode exigir, diante do meu ser imperfeito permite a minha infidelidade. A dualidade que existe na chegada do agrimensor de Kafka, entre ser bem ou mal atendido, prediz em sentido igual ao de Beckett a espera pelo o que nunca se verá, ambos foram infelizes em suas esperas. Estragon e Vladimir não chegaram a Godot e, muito menos K. chegou a Klam. Tentativas profanas que não viram seu esplendor, a mente que talvez criasse tamanha referência, se atingissem no modo obliquo e escuro do deslumbramento pelo superior. A busca destemível de K. por Klam permite deduzir que o homem em sua esperança jamais exaurisse seu contexto pacífico. Os homens em sua van glória suportam todo sofrimento mediante a idéia de que se terá fim, a tortura convence o homem de que ele pode merecer o futuro e que o futuro está no fim.

O sofrimento desagrega a noção do tempo, e o tempo o faz, a rotina, a espera contextualiza o sobrevivente, a intervir em suas inconstâncias e permeia a matriz de seu desenvolvimento, o intangível é mais prático e mais conveniente do que a esperança verdadeira que se tem do fim. O estado mental reflete na percepção latente que pulsa do irreconhecível, e a canção melodiosa se transforma em ópio, que vai em sua função matando suntuosamente.

Frieda para K. representa paz, a amada, o sustentáculo, a esperança menos dolorosa. Kafka termina sua obra com uma interrupção brusca, sem um final definido, apenas sugestivo, que até hoje intriga muito que amam a literatura kafkiana. O doce beijo do ópio, torna a melopéia do destino mais aplausível. A erudição do Anima, arte de encontrar o espírito, refaz o cenário do homem brincando de ser Deus. A epistemologia da obra permite o ínterim do âmago, a absorção da idéia do vazio, do oculto, do buscar o infinito, do buscar consciente do que não se pode cumprir. A odisséia preconizada induz ao açoite de quem ao poder de esperar debaixo do cajá-manga, árvore anacardiácea cujos frutos são grande drupas amareladas, caindo sobre as cabeças ásperas de nossas personagens sem histórias que fazem a presença de Godot e Klam sua única razão de viver.

Minhas fezes cheiram mal e as suas também, a cólera que ostento gera a catarse de minha sobrevivência, a purgação ou purificação como queira se chamar demonstra minha vontade impetuosa de livrar-me de tal peso, o peso do pecado, o peso do nascimento.

A espera de Godot, a espera de Klam, estou. A  espera do que eu não posso prevê, só aguardar, oculta minha face maléfica, impetuosa e odiosa, os meus devaneios robustos e confusos que se sustentam na espera. A saga do clã, o progenitor do destino. Salvo o firmamento.

A espera, ao fim, a Godot, a Klam. Ao desfecho desse sentimento, ao bugalho da alma, que permite ao parelheiro disputar a palhoça instaurada no meio do nada, para abrigar os morféticos de ambição à espera de um vazio. Sem mais delongas, ao desfecho profano da minha espécie que revindita o que me foi tirado na espera da ausência delinqüente. Ao que eu julgo ação patológica nostálgica do precípuo permanente do soberano ser homem.