REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA SOLUÇÃO VIÁVEL?

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REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA SOLUÇÃO VIÁVEL?

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Lucília Olímpia Cerqueira

Micaella Bruno da Cruz Marques

RESUMO: Apresenta-se neste artigo uma discussão acerca da existência (ou não) de viabilidade e/ou razoabilidade para a redução da maioridade penal. Para isso, analisa-se a polêmica temática em todos os seus aspectos com base em reflexões e pesquisas bibliográficas sobre o tema. Diante da atual realidade de grande número de delitos cometidos por adolescentes infratores, interessa-nos, como seres sociais pensantes, debater sobre a possibilidade de redução da maioridade penal, investigando se essa realmente seria a saída mais razoável perante o Direito Penal Constitucional que se nos revela.

Palavras-chave: Redução; Maioridade penal; Imputabilidade penal; Adolescente infrator.

ABSTRACT: Is presented in this article discussion on the feasibility and / or reasonable to reduce the age of criminal. It starts with the analysis of the controversial topic in its essential aspects based on reflection and research literature on the subject. Faced with the realities of today's large number of crimes committed by juvenile offenders, we are interested in, as social beings, thinkers, discuss the possibility of lowering the criminal investigating whether this would really be the most reasonable solution to the Criminal Law on the Constitutional reveals.

Keywords: Reduction; Of infancy; Liability criminal; Young offenders

1 Introdução

As estatísticas denunciam a violência plural e multifacetada, desencadeada, em especial nos grandes centros urbanos, com alarmante número de crimes cometidos por menores transgressores, que apesar da pouca idade, pouca idade, são causa de medo, revolta e preocupação no seio da sociedade brasileira e, repercute em grande desafio para o Estado Social e Democrático de Direito.

Aduz o Código Penal brasileiro, em seu art.27, “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Neste sentido, apontam também a Constituição Federal (art.228) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104). O constituinte de 88 estabeleceu a maioridade aos dezoito anos, razão pela qual, parte da Doutrina penalista a entende como uma cláusula pétrea.

Na exposição de motivos do nosso vigente Código Penal, o item 23, assim dispõe:

De resto, com a legislação de menores, recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária.

O legislador da legislação especial de proteção às crianças e adolescentes optou por um tratamento sócio-educativo do menor infrator, visando dessa forma, evitar que o jovem conviva com a população carcerária e corra o risco de se contaminar ainda mais com tal convivência.

Nesses moldes, os menores de dezoito anos, perante a Carta Magna e o atual Código Penal são penalmente inimputáveis e ficam sujeitos às normas da legislação especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O evidente aumento da violência urbana  muitas vezes praticadas por adolescentes infratores, menores de dezoito anos, por conseguinte, penalmente inimputáveis, o forte apelo midiático a tais delitos e o tema da imputabilidade penal em relação aos menores, há muito vem ganhando contornos na sociedade e dividindo opiniões, causando polêmicas e gerando  discussões.

De um lado, uma parcela da sociedade, em face da influência causada pelo apelo mídico ao retratar esses casos delituosos praticados por menores e, do posicionamento de alguns políticos da ala conservadora, tende a perceber a situação como margeada pela impunidade, numa visão errônea (deturpada) de que, tais menores infratores não estão sujeitos a qualquer medida repressiva, estando à mercê da impunidade. Essa parte da sociedade enxerga o projeto de redução da maioridade penal como meio adequado para responsabilização e punição destes adolescentes infratores e, conseqüentemente  de   redução e quiçá a solução da problemática da violência praticada por menores delinqüentes.

Destarte, os defensores do projeto, movidos por razões emocionais que despertam o espírito da vingança primitiva, não conseguem refletir com sensatez, nem utilizam argumentos coerentes para dirimir sobre a real causa da situação que a mídia ideologicamente lhes apresenta e propõe. Conquanto, sentem-se revoltados, acicatados e com sede de vingança contra menores delituosos, não sopesando as idades, a falta de suporte educativo e capacidade de discernimento desses menores.

O foco dado pela mídia a essa questão há dois anos atrás, conseqüência do famoso e sensibilizador caso do garoto João Hélio de seis anos, esquartejado em latrocínio do qual um menor foi partícipe, encontra-se adormecido, um dos motivos pelos quais, decidiu-se pelo estudo desse tema neste momento em que não se encontra envolto a nenhum caso dessa natureza divulgado pela mídia, o que possibilita traçar linhas mais racionais à problemática, mais livre de eventuais contágios emocionais.

Neste artigo, objeto de reflexões embasadas em pesquisas sobre a temática propõe-se a apresentar essa questão sob o âmbito social, desnudada do viés ideológico e ressaltar as várias nuances que a margeiam, na expectativa de assim, possibilitar ao leitor oportunidade de, após o seu exame desvencilhar-se da visão equivocada de que a redução da maioridade penal por si só, solucionará os problemas decorrentes da violência causada por jovens infratores nas grandes cidades.

A maioridade penal não é um problema jurídico apenas, mas, essencialmente social. Em decorrência disso, carece ser estudado nas suas estirpes, quais seja, as péssimas condições de vida a que são submetidos esses adolescentes, onde lhes é negado mínimo necessário à sobrevivência, alimentação, moradia, saúde e educação de qualidade. A tudo isso, deve-se associar a atuação do Estado na vida desses jovens, inoperante nos aspectos protetivos e atuante no âmbito repressivo. Ademais, urge que se veicule descortinar qual a causa de tantos atos de barbárie e violência praticados? Qual o motivo de tanta revolta? Encarcerar esses menores seria a solução adequada ao Estado Democrático de Direito e aos princípios preconizados na Constituição Cidadã? Seria o fortalecimento da política “Lei e Ordem”?  E quais as conseqüências do encarceramento desses adolescentes?E quais seriam então as soluções viáveis para o problema? São esses, dentre outros, os questionamentos aos quais convidamos o leitor, para que juntos, através do presente estudo, possamos construir pontes de conhecimento e reflexão sobre a temática, e assim concretizar nossos objetivos: informar e provocando reflexões para que se possa perceber a redução da maioridade penal trará mais problemas do que soluções.

2 O Estatuto da Criança e do Adolescente

Em 1987, com a nova redemocratização e a abertura política que ocorria no país, foi convocada a Assembléia Constituinte, na qual foi organizado um trabalho empenhado na seara das crianças e adolescentes, que culminou no artigo 227 da Constituição Cidadã, em cujo caput é o seguinte:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Da leitura deste artigo aduz a preocupação do constituinte com os jovens e crianças no sentido da promoção de seus desenvolvimentos enquanto seres humanos. Assim, restou garantido e assegurado aos jovens e crianças o desenvolvimento social, pessoal, os direitos fundamentais de sobrevivência, resguardada integridade física, moral, psíquica, bem como, ficaram resguardados de violência, exploração, maus tratos, dentre outros.

O conteúdo deste estudo em verdade concretiza muito mais do que os trabalhos da Assembléia Constituinte, pois também foi fortemente influenciado pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959.

Neste sentido, trinta anos depois, em 1989, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, reafirma ainda mais a chamada Doutrina de Proteção Integral da Organização das Nações Unidas. Neste contexto, com bases na Declaração Universal dos Direitos da Criança, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, na Constituição de 1988, e nas discussões sobre o tema da infância pelos movimentos sociais, surge a Comissão de Redação da ECA, que foi representado por três grupos importantes: sociedade civil, operadores do Direito e técnicos de órgãos do Governo.

Eis que em julho de 1990 é alçada uma notória vitória brasileira: é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, um documento essencialmente voltado aos direitos humanos, a proteção das crianças e dos adolescentes, e altamente comprometido com a chamada Doutrina de Proteção Integral da Organização das Nações Unidas.

Neste rumo, vale ressaltar, que a Doutrina da Proteção Integral é o fundamento que configura o atual sistema de princípios e normas jurídicas norteadoras da concretização dos direitos fundamentais da criança e do adolescente e traz em sua essência o objetivo de proteger e garantir o integral desenvolvimento corporal e psicológico dos indivíduos, observando as condições peculiares dos seres humanos em fase de desenvolvimento, bem como, a particular  responsabilidade entre a sociedade, a família e o Estado.

No dizeres de Antonio Carlos Gomes, pedagogo e um dos redatores do Estatuto da Criança e do adolescente:

A Doutrina da Proteção Integral, base filosófico-conceitual expressa no  ECA, baseia-se nos princípios da universalidade e da indivisibilidade dos direitos da criança. Trata-se de promover e defender os direitos da criança toda e de todas as crianças. Isto significa que nenhuma criança ou adolescente está excluído de qualquer dos direitos consagrados na legislação.

3 Das Propostas de Emenda à Constituição

A problemática ao derredor da redução da maioridade penal tem sido objeto discussão desde a década de noventa. Contudo, ainda não se chegou a consenso algum. De um lado encontram-se os que pregam a necessidade de aplicação das medidas determinadas pelo Estatuto da criança e do Adolescente e do outro em  oposição estão os defensores da redução da maioridade penal, baseando-se em criticas ao ECA. Cuida-se de um arranjo instrumentalizado para o combate à violência, praticadas por menores infratores.

Assim, parte desses representantes do povo nas casas legislativas apresentou diversas propostas de Emenda à Constituição Cidadã para Redução de Maioridade Penal, sendo umas pleiteando a redução da maioridade penal de 18(dezoito) para 14(quatorze) anos e a grande maioria de 18 para 16(dezesseis) anos. Algumas dessas PECs, já foram rejeitadas e arquivadas, a exemplo da emenda apresentada pelo senador Magno Malta (PR-ES) determinando que menores de 18 anos fossem imputáveis em casos de crimes hediondos.

Por conseguinte, outras PECs, foram objeto de debates, que redundaram na aprovação pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) a exemplo da PEC de nº 20 de 1999,  de autoria do Senador José Roberto Arruda, apresentada em 25 de março de 1999, que sofrera indexação da matéria (constatando-se o amadurecimento intelectual e emocional do menor de dezoito anos e maiores de dezesseis anos, não imputáveis penalmente,  e que altera o artigo 228 da Constituição Federal, reduzindo para 16 (dezesseis) anos a idade para imputabilidade penal, à qual as demais foram apensadas e encontra-se na SUBSEC (Coordenação Legislativa do Senado ) aguardando inclusão ordem do dia, desde 28 de julho de 2009.

Nessa seara, a quantidade de projetos visando à redução da maioridade penal, apresentada no Congresso por representantes da parcela mais conservadora dos congressistas, reflete a tentativa de dar satisfação à sociedade amedrontada frente à crescente violência urbana, em especial a praticada por jovens delituosos, e ainda, deixa transparecer o desrespeito aos direitos civis constituindo-se instrumento de marginalização dessa juventude.

4 Argumentos  de quem é favorável à redução

No campo das discussões em prol da redução da maioridade penal, muitos argumentos foram apresentados pelos seus defensores, versando estes sobre aspectos considerados relevantes, sob os seguintes fundamentos:

a) os maiores de dezesseis anos, já possuem discernimento  inclusive tendo direito ao voto;

b) não podemos observar, parados a grandeza da violência na qual, menores de dezoito anos cometem os mais apavorantes delitos e já participam de  facções criminosas, tendo a absoluta capacidade de perceber a ilicitude do fato e de se determinar conforme tal entendimento. Com a aprovação da redução, o jovem delinqüente vai intimidar-se mais com a lei e vai refletir mais antes de praticar delitos;

c) o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito benevolente, e por isso não intimida os menores.Como meio de ajuste à realidade social e de instituir instrumentos para encarar a criminalidade com vigor é necessário que se considere imputável qualquer pessoa com idade a partir de dezesseis anos de idade. O ECA, não seguiu o avanço deste novo centenário. É uma legislação atrasada, antiquada e obsoleta, visto que  contraria o movimento  do direito, que se encontra estático diante de um tema que demanda novas reflexões. Sem contar que o Estatuto fixa somente três  anos como pena máxima ao menor delinqüente independente da gravidade  do delito que ele pratique;

d) a maioridade penal é opção política e legislativa. Na seara civil, o legislador já fez essa avaliação. Percebeu que a maioridade civil em vinte e um anos era um exagero e não estava em conformidade com a realidade dos fatos. O legislador então diminuiu a maioridade civil para dezoito anos, mas nada, a não ser a própria circunstância social, impedia que a escolha política fosse por dezessete, ou mesmo, dezesseis anos. De forma que, não há um modelo mundial e científico, que se adeque a todos os países. E no nosso país, diante de tantas modernidades, seria hipócrita dizer que os adolescentes de hoje não sabem o que é certo e o que não é.

É mister que se analise por quê não merecem prosperar os argumentos expostos acima.

Em relação ao argumento que faz analogia, entre o direito de sufrágio, e a imputabilidade penal, acreditamos que  afirmar que se o adolescente  de dezesseis  anos pode votar e por isso pode ir para a cadeia é verdadeira falácia. O sufrágio aos dezesseis anos é facultativo, e por outro lado a imputabilidade é compulsória. Sem falar ainda que a maior parte dos menores infratores, por lhe faltar informação e consciência nem ao menos tem conhecimento de sua potencial qualidade de eleitores.

Ainda, seguindo as idéias de Mirabete, não podemos negar que o adolescente de dezesseis a dezessete anos, de qualquer sociedade, tem hoje extenso conhecimento do mundo e condições para compreender a ilicitude de seus atos. Contudo, a redução da maioridade  conceberia um retrocesso na política penal e carcerária, já que atiraria esses adolescentes em um ambiente promíscuo e, perto dos delinqüentes mais experientes e perigosos.

Destarte, a idéia de que a maioridade penal é opção política e legislativa, nós também concordamos, mas enxergamos como  adequada à sociedade brasileira a opção feita pelo legislador, pois a idéia de redução da maioridade penal pode até ser boa, mas não para o nosso país e nosso tempo. Nosso sistema carcerário não está em condições de receber os jovens e  já abriga bem mais pessoas do que tem capacidade, sem falar na inúmera quantidade de mandados de prisão já expedidos e não cumpridos por falta de vagas. O que faríamos então com  essa demanda de presos que a redução da menoridade ocasionaria?

Nesse giro, as críticas feitas ao ECA, por conseguinte não devem prosperar. Os problemas de implementação eficaz do Estatuto da Criança e do Adolescente  nunca deverão servir de alicerce para a redução da menoridade penal, pois isso seria  um exagerado retrocesso histórico, na seara dos Direitos da Criança e do Adolescente e infringiria os princípios  da Doutrina da Proteção Integral.Sem falar ainda que tenta-se  transpor a imagem  de que o ECA não é uma boa lei e nem aplicável em nossa sociedade,ainda que se saiba que o Estatuto  nem mesmo foi posto  em prática por omissão da sociedade e do Estado, que não abordam este assunto com primazia integral, assim como determina a Constituição Cidadã.

A única critica que se pode traçar neste ambiente em relação ao ECA, é no que concerne ao fato de o Estatuto não permitir em hipótese alguma, que a medida sócio-educativa ultrapasse os três anos, bem como, que o menor infrator ultrapasse os vinte e um anos cumprindo internação, haja vista que, esse tocante deveria ser revisto, para possibilitar que o menor fique o tempo que for necessário à sua reeducação.

Os defensores da redução também acreditam que ela acarretará diminuição na violência. Pura retórica, objeto da influência emocional. A redução da maioridade pode vir a exacerbar a exclusão de muitos. Por outra vértice, melhoras no tratamento sócio-educativo dos jovens infratores e maciço investimento na área da educação apresenta-se caminho mais atrativo e confiável à busca da solução.

A mobilização que deve existir por parte da sociedade deve ser no sentido de exigir para a nossa juventude uma vida mais digna, com mais educação, lazer, saúde, moradia e não em prol de uma desarrazoabilidade como a redução da maioridade penal.

É mister, a necessidade de avançar no combate às causas que incitam os jovens a cometerem tais delitos e não às conseqüências destes últimos, já que, isso remete a constatação de que os crimes mais cometidos pelos menores, ou seja, os de maiores incidências são justamente contra o patrimônio, motivo pelo qual chega-se facilmente à conclusão de que as causas de tais delitos decorrem de questões sociais.

Ademais, reduzir a maioridade penal poderá ser um caos: não levar em conta fatores sociais, pedagógicos, psicológicos, dentre outros; em prejuízo da ressocialização colocando os jovens nas cadeias, obrigatoriamente estará a inserir numa verdadeira “Universidade do Crime”; donde certamente sairão ainda mais descrédito contra a  sociedade, e revoltados pelos danos que esta e o Estado lhes causaram.

5 A miséria governada através do Sistema Penal

Os apavorantes indicadores de miséria e penúria presentes nas grandes cidades brasileiras repercutem na expressiva ampliação do número de jovens menores desamparados a caminhar pelas avenidas, reunindo-se em semáforos e outros locais, nos quais praticam diversas atividades, lícitas e ilícitas, quase sempre como meio de sobrevivência.

Urge ressaltar, a notória evidência de que a maioria dos menores que cometem delitos tem raízes nas classes mais vulneráveis da sociedade. Esses menores encontram-se à margem do convívio social, e não apenas sócio e economicamente, mas também nos aspectos político e cultural. Sobrevivem em péssimas condições com pais desempregados, reduzida renda ou ausência desta, falta de moradia ou moradia inapropriada e em condições execráveis de higiene e saneamento, bem como, problemas familiares que esses menores sofrem cotidianamente, como alcoolismo, violência doméstica, dentre outros.

E, ainda, tudo isso mapeado pelo crescimento  caótico das favelas e guetos, que não possuem condições adequadas de higiene e saneamento, péssima qualidade de educação, quando há educação, falhas no  sistema de  saúde, deficiência na  segurança e comando de grupos criminosos que comerciam armas e drogas e cometem as mais inimagináveis atrocidades.

Em contrapartida, bairros periféricos, normalmente se localizam perto dos bairros suntuosos, nos quais os incluídos do bruto sistema adotam exarcebadamente o consumismo, consistindo em humilhação para os vizinhos que não tem nem ao menos as condições necessárias à sobrevivência muito menos à vida digna, o que provoca um avanço ainda maior da exclusão social, e conseqüentemente da massa de excluídos. A questão social e econômica manifesta-se como peça chave a estimular o surgimento e o aumento da violência, nas massas, incluídos aí os menores pertencentes a tais camadas.

Nesse sentido, a brilhante obra de Alessandro de Giorgi, A miséria governada através do sistema penal, o qual nos traz a idéia de que na conjuntura de uma sociedade global, pautada em valores consumistas, pobres, mendigos, nômades, desempregados e migrantes representam classes tão ameaçadoras que os aparelhos de controle sociais buscam apartá-las das classes trabalhadoras e com condições de consumo. Tal apartheid ocorre na acepção, conforme Alessandro, “de neutralizar a ‘periculosidade’ das classes perigosas através de técnicas de prevenção do risco, que se articulam principalmente sob as formas de vigilância, segregação urbana e contenção carcerária”. (p.28)

Seguindo as idéias de Giorgi, cujo pressuposto encontra-se na hipótese central de que a principal finalidade das penas é aquietar a transgressão das leis, e que há a necessidade de um sistema de prevenção no qual as instituições e práticas repressivas, devem ser aplicadas a quem atreve-se desobedecer a ordem constituída condições de vivência piores do que as garantidas e fornecidas quem se submeter a tal ordem.

Destarte, num sistema funcionado com base no capitalismo exacerbado, tal qual o brasileiro, a situação dos não-proletários é que determina a direção da política criminal, já que, a maioria  dos crimes é cometida por pessoas das classes que mais sofrem opressão na sociedade,  sendo que é para essas pessoas  que seletivamente o sistema penal aponta.

E, incontestável é que, apenas com uma maior equidade social, resultado de melhor distribuição de renda e acesso a educação de qualidade para todos restaria construída a base para a redução dos elevados níveis de criminalidade, tanto por adultos, quanto por menores. Contudo, estratégias  que assinalem nessa direção, tem seus resultados abrangidos pelo longo prazo, visto que, demandam atenção especial do  governo com a colaboração de parcela da sociedade para inserir, em breve prazo, uma inclusão social.

A própria Constituição Federal remonta à bússola jurídica que ditará premissas que devem, ou ao menos, deveriam ser avaliadas e colocadas em prática pelo Poder Público e seus representantes. Tal bússola ruma à dignidade da pessoa humana, princípio norteador desse Estado Democrático Brasileiro, valor supremo e sublime da ordem jurídica, social, econômica e política.

Nessa vertente, assevera  Ives Gandra Martins Filho,

“A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana: pelo simples fato de ‘ser’ humana, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica”

Seguindo essa linha de pensamento, incumbe ressaltar, que reduzir a maioridade penal seria o mesmo que utilizar o sistema penal para governar a miséria, para fugir da responsabilidade concernente aos problemas sociais.

No Brasil, em atendimento aos interesses das elites dominantes é que são projetados os sistemas punitivos, de forma que prevalece o Estado penal, que pune e persegue, estabelecendo uma verdadeira ditadura contra os pobres e marginalizados, que a todo tempo são vítimas das práticas de controle que assolam as sociedades, disciplinados, regulados, controlados. Como se não bastasse, ao se propor a redução da maioridade penal se quer atingir jovens pobres excluídos, que não tem nenhuma base em termos de educação, família, religião, saúde,  e que são vitimas deste sistema excludente que aí está posto.

Sistema esse, que não condiz com o princípio da dignidade humana e menos ainda com o Estado Social Democrático de Direito. A penalidade e o sistema penal precisam desvincular-se desse caráter segregador, desse papel disfarçado de gestor da miséria que penaliza a juventude oprimida e assola as populações carentes. Nesse Estado Constitucional, a tendência mais coerente seria reduzir o uso do sistema carcerário e fazer com que o Direito Penal intervenha cada vez menos, e reduzir a maioridade penal andaria em contramão com esse pensamento.

6 Inviabilidade da redução (Um viés psicológico)

As entidades de Psicologia revelam opinião de contrariedade à redução da maioridade penal. São inúmeros os argumentos, de ordem psico-social, sustentados por tais entidades que justificam a decisão, com os quais de pleno concordamos. Vejamos.

Primus, os adolescentes, por estarem em uma das fases do desenvolvimento humano e, por ser um momento de amplas mudanças, precisa ser pensado pelo aspecto da educação. O grande desafio da sociedade é educar seus adolescentes, fazendo assim com que se permita um desenvolvimento apropriado tanto da perspectiva emocional e física quanto social. A Adolescência é também  período importante na edificação de um projeto de vida futura. Qualquer performance da sociedade voltada para esta fase deve ser conduzida pelo viés de orientação.Não se estabelece um projeto de vida com segregação, mas através da  orientação profissional e escolar.Os jovens, em passagem para a fase adulta, para serem inseridos socialmente, devem receber ações que lhe auxiliem a este ingresso, e lhe ofereçam todas as condições necessárias ao seu pleno desenvolvimento saudável.

Secundus, reduzir a maioridade penal é tratar a conseqüência, não a origem. É aprisionar mais cedo os pobres jovens, como numa aposta em que não lhes é dado o direito de escolha, como se fosse uma sina ou um carma. A redução da maioridade penal em verdade, reflete uma máscara para liberar o Poder Público do compromisso com a construção de políticas educativas e de atenção para com a juventude. A posição mais correta, para a psicologia, não é essa, e sim uma posição de apoio a políticas públicas que apresentem propostas de uma adolescência saudável como alvo.

Tertius, a sociedade, ao decidir questões, em todos os campos, não deve nunca desviar a atenção dos que vivem nela e dos verdadeiros motivos  dos  seus problemas. Um dos  motivos da violência estar na imensa disparidade social e daí, nas horrendas condições de vida a que estão sujeitas algumas pessoas. A discussão sobre a redução da maioridade penal é um corte dos problemas da sociedade brasileira que amortiza e simplifica o problema.

Quartus,  lembremos que a violência não é resolvida pela culpabilização e pelo castigo, mas  pela atuação nos aspectos psíquicos, políticos, sociais, e econômicos que a originam. Atuar castigando e não se importando em desvendar as estruturas mantenedoras e produtoras da violência tem como uma de suas conseqüências  principais aumentar ainda mais os índices de violência.

Quintus, cumpre ao Estado e à sociedade, com relevante urgência garantir o período social de infância e adolescência, através de educação de qualidade, visando dar  fundamentos  aos jovens para que exerçam a cidadania  e construam seus objetivos  sociais para a composição da sociedade.

Sextus, para a Psicologia, o mais apropriado é que a sociedade procure ajustar a conduta dos seus cidadãos através de um viés focalizado na educação, principalmente porque tais cidadãos estão ainda em fase de formação. Acertadamente, os psicólogos afirmam ainda, que o Estatuto da Criança e do Adolescente não alude a impunidade. O Mesmo sugere sim a responsabilização do jovem infrator a partir da aplicação de medidas sócio-educativas.

E ainda, o critério usado para fixar a maioridade penal deve ser político, econômico, social, psicológico e cultural, sendo a demonstração do modo  como determinada  sociedade labuta com os conflitos e questionamentos que caracterizam a adolescência; isso  implica na escolha de uma perspectiva que pode ser repressiva ou educativa, e as entidades de psicologia expressam que reprimir não é o jeito  apropriado de comportamento para a formação de indivíduos saudáveis. Reduzir a idade penal seria reduzir também a igualdade social e não a violência, visto que a ameaça, não tem o poder de  prevenir e nem a  punição tem a capacidade de corrigir.

Considerações Finais

O argumento que toma a maioridade civil como parâmetro para a redução de maioridade penal num país excludente como o Brasil é  no mínimo incoerente e carece de sensatez. Ademais, essa prerrogativa visa a atender muito mais aos interesses dos políticos do que respeitar os direitos civis desses jovens.

Noutro ângulo, pensar que a redução vai intimidar o jovem vislumbra utopia. Basta observar a situação de superlotação dos presídios brasileiros e considerar a condição de  imputáveis dos que ali estão para certificar-se de que a redução da maioridade penal não implica  redução da prática delituosa.

Denota-se que os defensores da redução da maioridade penal optam por buscar o caminho mais fácil, safar-se do problema através do recrudescimento da pena e encarcerando  menores infratores cada vez mais jovens, numa tentativa de livrar-se do lixo escondendo-o embaixo do tapete.

Já que, reduzir a idade penal seria restringir também a igualdade social e não a violência, uma vez que a ameaça não tem o poder de  prevenir e nem a  punição tem a capacidade de corrigir.

Outrossim, é evidente que o encarceramento desses jovens  nas “FEBENs  da vida”,  consistiria na formação de marginais precoces, haja vista, a falta de profissionais psicologicamente  preparados, acomodações adequadas e acima de tudo a falta  de implementação de projetos educativos e profissionalizantes que possam promover a ressocialização desses menores infratores. Ademais, prevenção à violência e Segurança pública se consegue  por meio de práticas educativas e projetos sociais, numa total conciliação entre  segurança e democracia, respeito aos direitos dos cidadãos, cumprimento dos deveres estatais e proteção social.

Por que não implementar as medidas sócio-educativas determinadas no ECA, com investimentos em educação, saúde, lazer, cultura? Por que insistir em punir ao invés de educar? Basta voltar o olhar na direção de projetos educativos e de inclusão social que comportam estratégias de prevenção, a exemplo de tantos desenvolvidos por associações, ONGs e até mesmo por particulares nas periferias das grandes cidades para visualizar um dos caminhos que conduz à redução dos índices de violências praticados por esses jovens.

Outro caminho aponta na direção da redução das desigualdades sociais através da redistribuição de renda, de forma que a atenção do Estado e da sociedade deve dirigir-se essencialmente as causas sociais promovendo medidas que venham assegurar a essa juventude condições dignas de sobrevivência, por meio de implantação de projetos para retirada desses jovens das ruas dando-lhes melhores condições de vida, saúde, educação, trabalho e lazer, haja vista que essa ausência estatal os tem levado ao cometimento de delitos.

8 Referências

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MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Volume I. 20 ed., São Paulo: Atlas, 2003.

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Pós-graduada em Administração, Licenciada em História e Bacharelanda em Direito da Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências -Humanas,Campus IV-Jacobina/BA.Email: luciliaolimpiacerqueira@hotmail.com

Bacharelanda em Direito da Universidade do Estado da Bahia,Departamento de Ciências Humanas,Campus IV-Jacobina/BA.Email:micaella_marques@hotmail.com

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