"A VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO"
Este Texto, elaborado a partir de meticulosa pesquisa do autor, foi publicado no Verão de 1991, no Jornal "O Estado de Minas", sob o patrocínio da jornalista, escritora e editora Anna Marina Siqueira. Portanto, há quase 20 anos passados de sua divulgação por aquele prestigioso Jornal, o problema da violência no trânsito continua hoje mais grave que naquela época. Também pudera; todos nós somos os responsáveis, de forma consciente ou inconsciente, por todas as mazelas sociais. Afinal, moramos todos em um mesmo planeta, convivemos em sociedades e nascemos de uma mulher e de um homem. Provocamos transtornos na sociedade, porque os nossos comportamentos estão cada vez mais negativos e nocivos, assimilados e condicionados pelos exemplos de modelos negativos e nocivos , por ocasião da nossa criação e educação. A família tradicional (esse termo virou até pejorativo!), composta do Pai, Mãe e Filhos ( e avós; ficou ainda mais pejorativo!); virou coisa do passado, fonte de críticas e deboche. Sem o Lar que os protegessem das atraentes, sedutoras e desestruturantes investidas de um mundo cada vez mais hostil; as recentes gerações não mais tiveram bons exemplos e modelos positivos para se orientarem e seguirem. Os pais, que deveriam ser os educadores e formadores de cada cidadão que compõe a Sociedade; foram substituídos pelos exemplos degradantes da mente e do corpo, mostrados pela televisão, vídeos, filmes e diversos outros meios de comunicação. A TV e a Internet, que deveriam servir de exemplos positivos de comportamento humano, tornaram-se os maiores condicionadores negativos da personalidade; principalmente das crianças, púberes e adolescentes. A família foi "implodida" por esses instrumentos e, agora, os filhos da geração permissiva do "tudo pode" estão se degradando e matando os filhos das gerações desse "tudo pode"; do "quase tudo pode" e da criação do "nada pode".
Ninguém se engane! Os motoristas violentos, esses que estão aí, matando e morrendo nas nossas ruas, avenidas e rodovias, são os mesmos que fazem algazarra nos botecos, nas festinhas do andar de cima ou de lado do seu apartamento! Eles dizem palavrões em qualquer lugar, desfilam com os seus carros "envenenados", decorados com toda espécie de decalques com símbolos e palavras de violência, prostituição, horror, vaidade e egoísmo; estampados no carro, em suas roupas e peles. São os mesmos que se agridem e se matam em boates, agridem e matam suas esposas, namoradas e amantes. São os mesmos tipos que se embriagam nos bares, restaurantes e botecos de calçadas e passeios cheios de mesas e cadeiras que impedem a passagem de inocentes e indefesos pedestres. São, ainda eles que se enchem de drogas, abominam a gramática e se comunicam com algumas poucas palavras ridículas e chulas, importadas e assimiladas da bandidagem nacional e internacional. Eles que desrespeitam tudo e todos que não lhes proporcionem o prazer animalesco imediato.
Meio Ambiente, Nação, Sociedade, Família, Cultura, Humanismo, Deus e Solidariedade são termos, palavras e "coisas" desconhecidas e abominadas por essa geração. Já notaram que a maior parte dos acidentes de trânsito são provocados por pessoas menores de 30 anos! Mas, não é só no trânsito que a "turma nova" é violenta. Nos demais crimes praticados contra nós, os piores e mais perversos bandidos que nos assaltam e nos matam, com requintes de perversidade estão na faixa etária dos 20 anos! Desta maneira, não choremos muito por nossos filhos assassinados na "guerra do trânsito"; eles são vítimas dos outros filhos, de pais como nós, que expulsamos o Deus da Vida dos nossos lares e, neles, entronizamos os deuses da Morte; principalmente Baco e Dionísio. É bom repetir: quem está matando os nossos filhos, e a nós também; são os filhos dos outros pais, que também estão sendo mortos pelos nossos filhos.
A Escalada da Violência no Trânsito
Falar de violência é repetir o lugar-comum da agressividade do Homem. O Ser Humano é geneticamente agressivo, assim como todos os animais que habitaram e habitam a terra. A grande diferença destes com os humanos é que os irracionais são apenas agressivos; isto é, atacam para se defenderem e para se alimentarem ( com exceção daqueles se tornam violentos no convívio com os homens) . A agressividade dos animais, sendo instintiva e não calculada, está ligada à sobrevivência de suas espécies. O homem, além de instintivo é também calculista, em decorrência de sua Razão. Ele premedita e ataca a sua própria espécie, mesmo saciado e em segurança. Na verdade, os outros animais são apenas agressivos e, o homem, é violento também ! Está tão disseminada a violência que é pouco provável que exista algum lugar na Terra que possa resguardar alguém da perversidade do seu semelhante. Mas, a violência mais evidente em nosso País é a praticada pelos motoristas. É tamanho o desequilíbrio dos nossos condutores de veículos que já não se deveria chamar de "acidentes", os sinistros provocados por eles; mas sim, de "guerra civil".
Assim sendo, seria mais prático e correto apelidarmos os motoristas de "guerrilheiros do asfalto"; pois praticam uma verdadeira guerrilha rodoviária. Eles parecem estar possuídos por fúria assassina que ceifa a vida de milhares de pessoas todos os anos, além de centenas de milhares de feridos e mutilados. A cada ano esses "guerrilheiros" alienados batem seus próprios recordes de estupidez e criminalidade, sem, contudo, encontrarem resistência das autoridades (ir)responsáveis. Estas concorrem mais ainda para a criminalidade, quando incentivam e promovem a venda de bebidas alcoólicas, juntamente com os produtores e vendedores dessas drogas, em todas as cidades,vilas e lugarejos brasileiros. O incrível "é que depois punem os motoristas embriagados, com "leis secas" e molhadas"!! Livres para matarem e mutilarem impunemente, os imaturos do volante vão acumulando "troféus", celebrizando-se como os maiores marginais do Planeta. Assim como em outras categorias de crimes, vamos nos tornando campeões mundiais de imbecilidade. Se não ganhamos o "Nobel" quando tínhamos Homens como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Adolfo Lutz, Manoel de Abreu e um Vital Brasil; então, não devemos contar com a "genialidade" das "fornadas" de imaturos que a maioria das famílias está produzindo ( a não ser que a Academia de Ciências de Estocolmo, crie o Prêmio Nobel da Imaturidade !). De fato, se continuarmos omissos diante da criminalidade no trânsito é, no mínimo, promiscuidade social. São raras as pessoas que levantam suas vozes contra a libertinagem dos motoristas. Temos visto, por este Brasil afora, poucos combatentes ativos contra os motoristas irresponsáveis. Estamos à mercê desse quadro funesto de milhões de motoristas desgovernados, dirigindo pelas nossas ruas,avenidas e estradas, aptos a matarem e morrerem. Diariamente,principalmente nos finais de semanas e feriados prolongados(que são férteis neste País tão operante), somos testemunhas das centenas de sangrentos acidentes rodoviários. Já não se mata mais no "varejo"! Mata-se e se morre por "atacado", quando famílias inteiras são massacradas em brutais choques de veículos, quase sempre provocados por motoristas imaturos,drogados, alcoolizados,narcisistas, carentes, frustrados e exibicionistas. É claro que temos que levar em conta alguns acidentes que têm como causa o estado físico das estradas e alguns motoristas profissionais que, cansados, sonolentos e atormentados por problemas sociais,financeiros e familiares, se envolvem nesses acidentes. A criminalidade, a impunidade e a omissão são tão comuns que já nos acostumamos a elas. Há 24 anos atrás, no livro "A Implosão do Homem-Psicobiologia da Agressividade", analisando as origens da agressividade , e ao focalizar a violência no trânsito, previmos que nos próximos anos, caso nos mantivermos omissos, os acidentes e mortes no trânsito atingiriam patamares inerentes a uma verdadeira "guerra" não-declarada. É o que acontece atualmente; e vai se agravar! É importante salientar que os números oficiais que demonstram essa "guerra" estão bem aquém da realidade. Muitos que morrem depois dos acidentes, em conseqüência de suas seqüelas, não são computados nessas estatísticas, porque as famílias não têm interesse em oficializar os seus mortos e muito menos o governo em mostrá-los. Quantos outros não ficam agonizando em seus leitos, sofrendo e gastando penosamente? Sem falarmos nos imensos gastos materiais que levam algumas famílias das vítimas à falência financeira.
Vamos analisar a seguir, p absurdo desses números, focalizando um ângulo ainda pouco comentado que é o aspecto relativo aos efeitos colaterais provocados nas famílias dos mortos e feridos na "guerra" do trânsito; bem como, os prejuízos que causam ao País. Através do esquema abaixo, procuraremos dar uma visão mais simplificada e mais compreensível das outras graves conseqüências que normalmente estão associadas aos muitos milhares de acidentes de trânsito, embora passem despercebidos pela maioria das pessoas. É o que chamo de efeitos colaterais da violência dos motoristas:
Efeitos colaterais:
A- Número de Acidentes: em torno de 350.000 / ano;
B- Número de Mortes: em torno de 30.000 /ano.
C- Número de feridos: em torno de 300.00/ano.
As mortes provocam:
a)Viuvez;
b)Orfandade;
c)Desestabilização familiar: financeira,
saúde e mental.
Explicação sobre os dois itens acima
A viuvez e a orfandade decorrentes das mortes não são necessárias explicar, sendo óbvias as suas conseqüências. A desestabilização financeira da família de uma vítima do trânsito ocorre devida o fato de muitas vezes o morto é o mantenedor principal (ou único) do lar, acarretando com a sua falta, a penúria familiar. A desestabilização da saúde física e mental vem como conseqüência do abalo emocional sentido pelos familiares da vítima. Em caso de mais de um membro vir a falecer, o restante da família pode sofrer profunda desestruturação psicofísica. A visão do corpo mutilado de um ente querido pode afetar todo o grupo familiar e de amigos.
Os Feridos podem evoluir para:
I)Mais mortes que não são computadas nas estatísticas conhecidas;
II)Deficientes Físicos:
a)Paralíticos;
b)Deficientes sensoriais(cegos,surdos,mudos,etc.);
c) Mutilados;
d) Transtornos odontológicos;
e) Retardos mentais (mais ou menos graves);
f)Deformações estéticas.
III)Transtornos Mentais: depressão,fobias,psicoses;
IV)Outros Efeitos Colaterais:
a)Debilidade física;
b)Doenças hospitalares;
c) Risco de contágio por transfusões:
-hepatites, AIDS, Chagas, etc.
Explicando melhor sobre as centenas de milhares de feridos anualmente na violência do trânsito, vale ressaltar que certo número desses feridos, não resiste aos ferimentos recebidos vêm a falecer, posteriormente, aumentando o número de mortos. Quando o ferido não falece, pose acontecer de o mesmo se tornar paralítico, deficiente, mutilado, retardado mental, deformações faciais, ET., como já salientamos acima. Não podemos deixar de apontar o surgimento de diversos distúrbios mentais, decorridos após os traumatismos físicos e mentais decorrentes do acidente. O convalescente de um acidente de carro, um politraumatizado, por exemplo, dificilmente recuperará a sua saúde. Um longo tratamento deixa seqüelas anatômicas e/ou fisiológicas. Além disso, em tratamentos hospitalares prolongados, existe o risco de contágio microbiano. As transfusões de sangue são meios propícios ao contágio de graves doenças hospitalares, como sífilis, hepatite, AIDS, etc. Como os muitos desastres automobilísticos acontecem em pontos rodoviários distantes dos grandes centros, o atendimento emergencial é quase sempre prestado em clínicas e em pequenos hospitais nas cidades e lugarejos onde é difícil manter o controle da qualidade do sangue transferido. Vê-se, pois, que muitas doenças hemotransmissíveis têm nas centenas de milhares de acidentes de trânsito, um poderoso aliado de contaminação. Ainda, no tocante aos outros prejuízos causados pela agressividade motorizada, devemos lembrar que a Nação sofre perdas insubstituíveis, de ordem intelectual, quando vidas preciosas e profícuas de intelectuais ,políticos, cientistas e outros deste naipe, são ceifadas por inconseqüentes e improdutivos imaturos do volante. Prejuízos da força-de-trabalho em que, pela inutilização ou supressão da vida de muitos trabalhadores especializados, técnicos e profissionais de renome. Prejuízos materiais, nos imensos gastos despendidos por todos nós, contribuintes; em:
-Atendimento médico-hospitalar-odontológico;
Tratamento psiquiátrico/psicológico dos acidentados e/ou familiares;
-Serviço médico-legista (necropsias, laudos, etc.);
-Locomoção de peritos e legistas, algumas vezes para locais distantes onde ocorreram os desastres;
-Concessões precoces de aposentadorias e pensões;
-Despesas funerárias e com a remoção de corpos;
-Despesas com prêmios de seguros;
-Gastos com processos judiciais;
-Recuperação de sinais luminosos, postes, placas de sinalização, muros de contenção em pontes e viadutos; quando danificados pelos veículos sinistrados;
-Reboque dos carros acidentados e desimpedimento das pistas;
-Gastos com reparos dos carros; ou mesmo a sua perda total;
-Prejuízos e danos ecológicos, quando há derramamento de cargas tóxicas, contaminando o meio ambiente;
-Prejuízos com a perda de cargas preciosas como, alimentos, equipamentos técnico-industriais, etc.;
-Prejuízos às populações com a sobrecarga de atendimentos médico-hospitalares em cidades pequenas e pobres, próximas dos locais dos acidentes, principalmente quando o sinistro envolve um grande número de pessoas.
Existem ainda outros constrangimentos e danos inerentes ao grande número de acidentes de trânsito; como:
-Saques e pilhagem aos mortos e feridos, verificados com freqüência nos acidentes nas estradas, principalmente à noite e em pontos distantes;
-A descontinuidade no trabalho das vítimas (mortos ou incapacitados), principalmente com profissionais que têm responsabilidades inerentes a outras pessoas.. Exemplo disso é quando um acidente vitima um advogado ou um magistrado! Os processos judiciais de muitas pessoas necessitadas sofrem atraso considerável ou solução de continuidade em sua tramitação. Para melhor exemplificar este caso, cito o caso de um advogado trabalhista, recentemente falecido em um acidente de carro. O mesmo era responsável por diversas causas envolvendo famílias carentes que viram, assim, frustradas as suas esperanças de um andamento processual normal (o que, por si só, já é bastante moroso). Essas famílias tiveram que contratar um novo advogado e aguardar que este estudasse e se familiarizasse com as suas causas, a fim de dar prosseguimento aos processos interrompidos e paralisados devido à morte por acidente de trânsito.
Acredito que o leitor, também, chegou à conclusão que a violência do trânsito não se restringe "apenas" às centenas de milhares de feridos e mortos e, nem aos bilhões de dólares gastos anualmente, na ocorrência dos desastres automobilísticos. Esses acidentes englobam uma gama de problemas que ameaçam a saúde e a economia das famílias e do País. Voltamos a repetir o que algumas pessoas mais conscientizadas e patriotas há muito vêm apregoando sem sucesso: "se não mudarmos a Legislação do trânsito, a fim de punirmos exemplarmente os criminosos do volante, como fazem os Países civilizados, continuaremos a chorar e empobrecermos com a escalada sangrenta dos crimes dos "guerrilheiros rodoviários".
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Carleial. Bernardino Mendonça.
Psicólogo-Clínico pela Universidade Católica de Minas Gerais; Estudante de Direito da Faculdade de Direito Estácio de Sá, em Belo Horizonte - MG Escritor e Pesquisador na área das Neurociências