Estação Primavera, parada para reflexões.
O verde faz do azul com o amarelo
O elo com todas as cores
Pra enfeitar amores gris
Djavan
Chegou a primavera, a mais bela das estações. Desembarcar nela representa estar num ambiente de alegria, entusiasmo e renovação. A mãe natureza, com uma capacidade infinita de resiliência, maternalmente se prepara para recebê-la com muita luz, acompanhada pelo girar das flores, rosas e jasmins a exibir seus saberes em múltiplas cores.
Há uma verdadeira transformação nos campos, no clima, nas árvores e nas pessoas. Tudo desperta, tudo germina, tudo brota na primavera, paraíso dos poetas. Demora, mas é certo que chega. Seus cheiros e alegria exalam a perpetuação da vida, a contagiar corações sensíveis. É hora de despertar e enxergar a festa que a natureza reservou.
As flores desabrocham e exalam perfumes mil, sem nada pedirem em troca. O sol a tudo ilumina, sem nada pedir em troca. Multiplicidade de sons em destoada harmonia, sem nada pedir em troca. chuva irriga as plantações, limpa a atmosfera, sem nada pedir em troca. A natureza generosa provê as necessidades das espécies, sem nada pedir em troca.
A primavera é uma estação de transição, que representa a despedida das gélidas paisagens e a preparação para tons mais vivos. As flores são sua marca principal. A natureza educada, desabrocha e se enfeita para sinalizar um novo ciclo que chega.
Vai embora o gelo, o cinza, a frieza, o tempo de recolhimento. A natureza passa a se revelar multicolorida: é tempo do cio da terra, acasalamento, reprodução e beleza. A natureza sempre resiste aos tempos de estiagem, resiste à letargia e à hibernação e mostra que a vida permaneceu latente, mas se refaz.
Os homens por vezes também hibernam, quando tudo ao seu redor está gélido, seco ou aparentemente sem encantamento. Seja por situações de perdas, decepções, dificuldades ou pelo simples desaquecimento da roda da vida. São momentos que necessitam de uma pausa para reflexão.
Mas algo de especial pode ocorrer: um dia uma nova brisa pode soprar e anunciar que o gelo vai derreter e a grama verde que havia por baixo dele irá transparecer repleta de vitalidade. A nova estação chega assim, com promessa de luz, brilho, aromas renovados, vento a levar pólen para fertilizar os campos, borboletas ligeiras a escolher por entre tantas flores em qual pousarão.
Em tempos de primavera é momento de lançar novas ideias, de deixar a brisa de novos tempos limpar mentes e corações, enfim de abrir espaço para o novo brotar. Abrir as janelas da alma, ouvir os sons da alegria, deixar o aroma embolorado do inverno se dissipar e permitir que o perfume das flores inunde sua moradia. É a temporada de crer em novas possibilidades, de se encantar com a beleza dos pequenos detalhes que passaram despercebidos nos dias cinzentos.
Mas para viver a intensidade dessa mágica parada é necessário se reeducar e exercitar a entrega. É preciso entender que a estação inverno ficou para trás e acreditar que experiências fascinantes virão. Acontece que muitos passam por invernos rigorosos da alma, escondem-se por longos períodos em suas tocas, acreditam que não podem mais sair, que serão exterminados pela próxima frente fria.
O cenário mudou, é preciso entrega, é preciso acreditar, é preciso lançar nossos polens aos ventos. Ao aguçar os sentidos, pode-se ouvir lá fora o canto dos pássaros e ver que raios tímidos de sol entram por entre as frestas.
A primavera é uma boa época para renovar o espírito, assim como se renova a flora. Bom seria se a primavera acontecesse o tempo todo, florescendo, enfim, na forma de atos, palavras e pensamentos positivos. Ao observar minuciosamente a natureza vê-se um habitat de riquezas, cheio de sentido e significado da existência humana.
No atual estado do mundo há, porém, muitos motivos para pessimismo. Alguns números são alarmantes. Pobreza de renda: 2 bilhões vivem com menos de US$ 2 por dia e a cada oito segundos morre uma criança por desnutrição; pobreza de acesso a energia: 1,6 bilhões de pessoas sem eletricidade; pobreza de falta de água: 1,8 milhões de mortes/ano por ausência de saneamento, higiene e água potável.
Estacionar em primaveras silenciosas acelera a corrosão da alma. Mudanças de clima, perdas de biodiversidade, insegurança internacional, usurpação de direitos humanos, desigualdade social. Há muito a se consertar no mundo, mas quem tem o poder de destruir também tem a capacidade de reconstruir.
Em contrapartida a tantos problemas, nunca antes na história da humanidade tantos vivem com tanta fartura, longevidade, conforto e inúmeras e modernas opções de consumo. Como dizia François Truffaut, “... o pessimista é um otimista com experiência”. Pode-se observar um copo com metade de água e afirmar: está quase cheio; ou está quase vazio. De que lado se posicionar?
A partir de três cores, os seres humanos criaram infinitas matizes. A primavera ímpar e otimista convida: abra-se, permita-se, aproveite as oportunidades dessa brisa nova para criar um mundo diferente, utilizar a conexão global para tomar conta do todo e da parte de forma sustentável.
Relacione-se, sinta a beleza que há lá fora, deixe seu perfume único exalar de dentro para fora, não tema as abelhas, elas apenas polinizem a vida! Inspire-se e faça a sua parte, dê sua parcela de contribuição. Comece por mudar o status das negatividades que te rodeiam, ajude a estabelecer valores universais.
Pense naqueles projetos guardados, no seu graal do bem-estar, nas suas fortes habilidades contidas e permita que desabrochem. Despeça-se dos maus hábitos e volte sua atenção para os aspectos positivos da vida. Lance um olhar diferente para os mesmos cenários. A primavera te convida a ter coragem para mudar; a desenvolver sua sensibilidade, renovar, reciclar, florir!
Um jardineiro chinês foi consultado por seu patrão sobre qual seria o melhor momento para se plantar um carvalho. Com sua sabedoria ecológica o artífice da terra respondeu que seria cem anos atrás e que o segundo período seria hoje. Programas de gestão e proteção ambiental deviam estar em pleno funcionamento por todo o planeta há muito tempo, mas o segundo momento é agora.
Não há resposta clara de quanto tempo ainda resta para se vivenciar a plenitude primaveril. Por certo existe um jardineiro dentro de cada um, pronto para construir o mais belo dos jardins, a enfeitar redores gris.