(Revisado: 23/02/12)
“O erudito gasta todas as suas energias dizendo ‘sim’ ou ‘não’ sobre o que já foi pensado, ou na crítica a isso - ele já não é mais capaz de pensar por si mesmo. (...) Vi com meus próprios olhos: naturezas ricamente dotadas de um espírito livre, que, aos trinta anos, já haviam lido a ponto de se arruinar” – Nietzsche, em Ecce Homo.
A maioria das pessoas que entra no Facebook diz estar entrando para manter contato com os amigos. Como esse contato é mantido? Lendo as atualizações. Qual o conteúdo das atualizações? Quase sempre são memes que se espalham como verdadeiras epidemias. O termo “meme” vem das teorias do biólogo Richard Dawkins e do filósofo Daniel Dennett. Numa analogia com os genes, os memes são definidos como unidades de ideias que se replicam em condições favoráveis, combinando-se por seleção para compor uma cultura. Esta definição foi dada no livro Gene egoísta, de Richard Dawkins, e faz parte de uma concepção chamada de Darwinismo Mental.
O problema apontado por Nietzsche na citação acima não é a leitura em si, mas o reflexo condicionado de folhear página após página somente para concordar ou discordar com o maior número de afirmações possível. O erudito seria um viciado nesse tipo de atividade, um indivíduo que perde a capacidade de pensar por si mesmo porque se limita a reagir aos estímulos vindos da leitura. Ele apenas reage, mas não age por si só. Permanece compulsivamente nesta atividade reativa, mesmo que isso prejudique sua saúde. Neste sentido é que os usuários do Facebook estão se tornando como esses eruditos.
Quando criamos um sistema de feedback (retro-alimentação) que permite a autopropagação de ideias por meio de um mecanismo de estímulo e resposta, criamos uma armadilha para nossas próprias mentes. Uma vez que nossas respostas condicionadas geram novas respostas condicionadas, criamos uma máquina em que estas evoluem e se espalham por si sós, gerando efeitos contra os quais somos indefesos. Estamos sendo privados da liberdade de pensar sobre o que vemos. A liberdade agora pertencente aos memes, que estão livres para circular pela rede e competir numa luta pela sobrevivência, em que o vencedor é aquele capaz de se reproduzir com maior rapidez. As pessoas se tornaram pontos de conexão na rede ao invés de usuários. As ideias agora se relacionam em rede por meio das pessoas, e não as pessoas por meio da rede.
Talvez seja equivocado usar o conceito de estranhamento, tal como aparece nos manuscritos de Marx. Mas, semelhante ao que ocorre no estranhamento, cada um dos conteúdos compartilhados na internet é produto do tempo de alguém, e este conteúdo se apresenta para nós como algo que existe por si só, algo que expressa uma ideia sem fonte e sem origem definida. Não como uma mensagem que vem de um indivíduo e alcança outro indivíduo, mas como algo que se lança no mundo por meio dos indivíduos. As pessoas se tornaram meios de comunicação, não mais remetentes ou destinatários. Um fenômeno da Internet parece acontecer independentemente da vontade ou da racionalidade humana, mas ainda assim é capaz de produzir movimentos globais, ou simulações de movimentos. Nós temos a tendência de achar que são sempre os outros que estão gastando tempo nestas coisas. Mas todos nós estamos perdendo tempo, porque não estamos adquirindo informação, é a informação que está nos usando para se mover e evoluir. Somos alvo de uma publicidade que surge do nada e escorre para o vazio. Mesmo as mensagens mais significativas são dissipadas no vácuo pela própria repetição que caracteriza seu “sucesso”. É o que chamamos de banalização. Uma vez que as ideias já estabelecidas “regulam” o fluxo de ideias na rede, uma ideia só pode se espalhar de modo bem sucedido se estiver submetida às ideias dominantes. O que quer que não combine com isso provavelmente será considerado “entediante”. Por isso falamos cada vez mais, porém queremos dizer cada vez menos.
Deveríamos nos ater à distinção entre gostar de algo e se dispor em relação a algo. Gostar de algo significa sofrer uma ação: ser tocado por algo. Dispor-se a agir em relação a algo é bem mais do que reagir clicando num botão. Implica na capacidade de criar uma nova disposição, tanto de pensar quanto de agir, com o objetivo de provocar uma mudança efetiva. Clicar no botão “curtir” é fazer uma classificação. O conteúdo em questão é arquivado na sua lista de “coisas que eu curto”. Definir preferências não é uma interação significativa. Significativo seria perceber como cada meme que se replica na sua mente altera o modo como você enxerga o mundo, as pessoas e a si mesmo; o modo como você se relaciona com a realidade, com sua memória e com suas expectativas. Quando gostamos de um conteúdo que é apenas a descrição de algo que gostamos de fazer na realidade, o que estamos afirmando? Que gostamos do que gostamos, gostamos de gostar do que gostamos, e assim por diante...
As pesquisas não entram em consenso ao tentar responder se os jovens hoje em dia estão lendo mais. Eles certamente estão lendo e escrevendo muitas mensagens curtas e rápidas. E isto deveria ser considerado um avanço na comunicação. Mas do ponto de vista dos memes, é uma mudança que permite maior aceleração do seu vetor de propagação. Dentro dessa visão determinista, a conclusão é que nossos cérebros estão sendo reprogramados pelos memes para possibilitar uma circulação mais rápida destes. A intolerância a textos longos seria um efeito gerado pela adoção de uma estratégia de propagação mais eficiente de memes, que seriam os verdadeiros agentes do processo. Assim como o hábito de apenas aceitar ou rejeitar instantaneamente o que se lê, ao invés de refletir criticamente sobre o modo como o que é dito afeta a nossa vida.