Sem essência não existe aprendizado

Antes de concluir o segundo grau, em meio a uma angústia de se libertar do terceiro ano, falei para um colega que gostaria de ver todos depois de formados reunidos na escola para comentar sobre a vida que cada um tinha levado.

ANÚNCIO

Doce ilusão apenas, porque não nos vimos mais, e eu acabei fazendo essas análises sozinho. Não porque eu quis, mas as coisas me forçaram de tal forma que, sempre que encontrava um colega, sentia vontade de escrever um pequeno texto sobre aquela pessoa, sempre lembrando de Cazuza, que dizia que via o futuro refletir o passado.

O grupo das esforçadinhas

Eu lembro do meu terceiro ano, da turma das esforçadinhas. Compunha um grupo de quatro pessoas.

ANÚNCIO

Sempre responsáveis, mas que nunca rendiam no que faziam. Hoje, elas se encontram fazendo áreas naturais, que considero de pessoas que nem fedem nem cheiram: biólogos, fisioterapeutas, contabilistas, administradores.

Quando não, estão trabalhando no caixa da loja Santo Antônio, à espera de algo melhor, com a cara esticada juntamente com os cabelos presos por uma haste, todas emperiquitadas.

ANÚNCIO

As lindonas e seus destinos

Existia também o grupo das lindonas, com seus traseiros enormes. Andavam geralmente no fundão, sempre maquiadas atrás de garotões playboys. Essas eu nunca vi tomar jeito na vida. Sempre as vejo trabalhando no comércio, geralmente como operadoras de caixa, em pé o dia todo nos botequins.

A loja é do tamanho dos seus sonhos, o que varia de acordo com suas ambições. Geralmente, se forem muito bonitas e se cobrarem um pouco mais, vão trabalhar na Oi, Vivo, Tim, Claro, lojas Insinuante, ou no balcão da Ricardo Eletro. Quando sonham baixo, vendem argolas e quinquilharias para mulheres desocupadas da cidade.

Muitas engravidam cedo e deixam os filhos para as mães criarem enquanto vão para festinhas. Frequentemente estão na Praça Padre Mateus, esperando por alguém de posses ou qualquer outro que tenha temperamento semelhante ao delas.

Aqueles sem sonhos e direção

Há também aquelas que nem sequer sonham em trabalhar ou fazer algo na vida. Como não se interessam por nada, resta-lhes vender o corpo para bordéis. Dificilmente passarão na faculdade. Dependendo da família, estudarão em faculdades particulares a distância ou se venderão para pagar os estudos.

Os garotões fortes e viris

Os garotões seguem a mesma linha. Fazem cursos de informática para operarem o balcão de lojas alheias. O máximo que conseguem em troca é o reconhecimento por cumprir disciplinadamente os horários.

Viajam para Itaparica atrás das "piriguetes" e nunca encontram pessoas de boa índole, apenas do mesmo nível ou inferior. Vivem de aparências, sempre na última moda, com economias destinadas a comprar uma moto e andar com garotas incapazes de manter conversas mais elaboradas.

Relacionam-se superficialmente ou se prendem facilmente. Não conhecem outros lugares, ou, se conhecem, têm análises medíocres sobre eles.

O destino dos nerds

Os nerds da minha sala se venderam, foram falsos e se perderam no caminho. Promessas na escola, tornaram-se apolíticos, mecânicos e pouco criativos, respondendo apenas como o sistema manda.

Muitos fizeram escolhas erradas: esperava-se médicos, tornaram-se professores; esperava-se grandes cientistas, viraram engenheiros de baixo escalão.

Alguns acumulam graduações, mas não criam soluções úteis para a sociedade. Encontrarão sentido como sociedade apenas quando suas convicções caírem ou após leituras de autoajuda.

E você, leitor, em qual desses perfis se encaixa? Tem características de todos os grupos ou de nenhum?

Casos que marcam

Fazendo caminhada uma vez, lembrei de minha mãe ao encontrar um aluno dela drogado. Ela disse: “Aquele menino foi meu aluno, e olha como está acabado.” E eu me perguntei: o que ela fez enquanto ele estava em sala para evitar que chegasse a esse ponto? De que valeu aquele ano sentado na escola se ninguém tocou em sua essência?

Outro caso foi uma professora que viu seu aluno nos jornais, cometendo assaltos e liderando o tráfico. Ela evitava pensar no que poderia ter feito em sala para mudar aquela realidade.

A educação e a essência do ser

Sou favorável a uma educação que vislumbre a essência do ser. Muito se explica com teorias, mas raramente se fala de alma e psique. O bom professor é aquele capaz de modificar estruturas e olhar para dentro do aluno.

Transformar o playboy vazio em um estudante interessado, o inteligente antissocial em alguém ativo e socialmente útil, ou a periguete em uma pessoa interessada no saber e na pesquisa.

Sem tocar na essência dos alunos, a escola continuará sendo apenas um depósito de estudantes.

Sobre o autor

Danillo Cerqueira Barbosa é estudante de Física na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, professor e escritor. Texto escrito em 17/02/2010.
E-mail: danillo1987@hotmail.com