A reversibilidade dos efeitos da tutela é pressuposto de admissibilidade para a concessão de tutela antecipada, estando previsto no art. 273, § 2º, do Código de Processo Civil.
São muitos os argumentos que devem ser considerados no momento de se estudar tal requisito, para que possamos entender as razões que levaram o legislador a estabelecer tal exigência.
Em primeiro lugar, está o fato de a tutela antecipada ser concedida através de uma cognição sumária, o que significa que o juiz para tomar sua decisão, não poderá se valer de uma instrução probatória ampla. A produção de provas é feita de modo limitado, até por conta do curto espaço de tempo para fazê-la.
Por conseguinte, ao final de uma cognição exauriente, onde todas as provas aptas a esclarecer a veracidade dos fatos foram devidamente produzidas, caso o juiz se convença de que o requerente da antecipação de tutela não estava munido de razão, torna-se precavido e sensato que o objeto em litígio retorne ao seu estado anterior.
Se fosse permitido adiantar o resultado de uma sentença de maneira irrevogável e definitiva, não seria necessária a continuidade do processo, tampouco a produção de mais provas. Estaríamos diante de verdadeira tutela antecipada satisfativa, o que em regra não é permitido.
Consideremos a seguinte hipótese: o pai de uma criança ingressa no Poder Judiciário com ação de guarda integral cumulado com pedido de tutela antecipada, alegando que o menor sofre maus-tratos de sua mãe, que no momento detém a guarda. Pois bem, o juiz, ao analisar o pedido e verificar o preenchimento das exigências definidas em lei para a concessão da antecipação de tutela, defere esta, ficando a criança sob os cuidados do pai, durante o curso do processo.
Entretanto, ao final da demanda, resta provado que o filho do ex-casal nunca foi seviciado por sua genitora. O juiz, após processo de conhecimento, onde foram realizadas todas as etapas prescritas em lei, determina em sentença que o menor volte a viver com sua mãe, portanto retorne ao estado anterior.
Agora, imaginemos que no mesmo caso exista a franca e real possibilidade do genitor do menor embarcar com seu filho para país desconhecido, hipótese em que sua mãe nunca mais teria a oportunidade de revê-lo. E ao final da ação, provado fosse que ela é pessoa idônea para educar a criança, o objeto do processo retornaria ao seu status quo ante? A réplica é óbvia: não!
O caso exposto acima faz com eu se perceba a importância de uma medida de urgência, como é o caso da tutela antecipada, ser revogável. Contudo, em certas situações a questão da reversibilidade mostra-se tormentosa: se não concedida a tutela antecipada com efeitos irrevogáveis é o requerente quem sofrerá danos irreversíveis.
Vejamos o exemplo trazido pelo processualista Cássio Scarpinella Bueno:
MAD ajuíza em face do plano de saúde JCP ação para que seja determinada sua internação e tratamento dos males que descreve na petição inicial. Fundamenta seu pedido de tutela antecipada no inciso I, do art. 273, forte no perigo de dano irreparável: ou o plano de saúde cobre os custos do tratamento ao qual, o autor, o vê obrigado contratualmente, ou, pela documentação médica que acompanha a inicial, não adiantará nada um julgamento final. Não haverá tempo para maiores discussões, pois que a situação de MAD é grave, gravíssima.[1]
Na conjuntura mostrada acima, se a tutela for concedida pelo magistrado, não haverá mais volta. Uma vez realizado o tratamento, não será necessário o julgamento de mérito da causa. Caso o tratamento não seja realizado, o requerente perderá sua vida, o que evidentemente também não terá retorno.
Num caso como descrito no parágrafo anterior estamos diante do confronto entre uma regra e um princípio: a regra que vige para um contrato e o princípio do direito à vida. É patente e manifesto que direito à vida se sobrepõe às cláusulas contratuais. Quando se está diante de um conflito entre um princípio e uma regra não se pode nem buscar socorro no princípio da proporcionalidade para sanar a ocorrência, pois o princípio sempre prevalecerá.
O princípio da proporcionalidade tem sido vastamente discutido na atualidade. Em que consiste tal dogma? A proporcionalidade é usada como um remédio para se desfazer eventuais incompatibilidades entre dois valores, duas normas, dois princípios. Quando colocamos em uma balança o bem vida e o bem dinheiro é escancarado que o bem vida possui mais valor e importância. Em casos assim, não há qualquer dificuldade em por termo ao problema.
Mas na prática forense nem sempre as situações vislumbradas em um processo se apresentam dessa forma, com tamanha clareza a não suscitar dúvidas sobre qual é o bem mais valioso. Para se ter uma idéia da dificuldade, o doutrinador Zavascki exemplifica:
Na Justiça Federal, por exemplo, não são incomuns pedidos para a liberação de mercadorias perecíveis, retidas na alfândega para exame sanitário que por alguma razão ( grave de servidores, por exemplo) não é realizado. Nesses casos, a concessão de tutela pedida compromete irremediavelmente o direito à segurança jurídica a que faz jus o demandado (liberada e comercializada a mercadoria, já não há que se falar em seu exame fitossanitário); seu indeferimento torna letra morta o direito à efetividade do processo, porque deteriorando – se o produto, inútil será sua posterior deliberação. Em casos dessa natureza, um dos direitos fundamentais colidentes será sacrificado, não por vontade do juiz, mas pela própria natureza das coisas.[2]
Trata-se de situação das mais complexas, pois o proprietário da mercadoria retida não pode ser prejudicado pelo trabalho desidioso do Estado, e por outro lado, o exame sanitário é importantíssimo, uma vez que implica na saúde de milhares de pessoas que farão uso desse produto. Sob esse prisma, e utilizando-se do principio da proporcionalidade, o juiz da causa poderá encontrar uma solução e considerar que a saúde pública é um bem que merece mais apreço do que o prejuízo que amargará do dono das mercadorias.
Tornemos o exemplo de Zavascki ainda mais problemático: Suponhamos que o prejuízo suportado pelo possuidor de tais produtos importasse na falência de sua empresa que atualmente emprega 5.000 pessoas. Estamos falando, portanto, em 5.000 famílias prejudicadas! O magistrado, nesse caso tormentoso, invoca o princípio da proporcionalidade, para balancear os valores contidos no processo e decidir de forma a não prejudicar o bem que naquele momento merece consideração maior.
Como a saúde pública abrange número indeterminado de pessoas, talvez até um país inteiro, e considerando-se ser tal produto destinado ao mercado nacional, talvez esse bem, ainda pesasse mais, no momento da decisão.
O objetivo desta explanação, numa tentativa de complicar o exemplo trazido pelo jurista Zavascki, foi demonstrar a real complexidade das situações que surgem naturalmente no cotidiano e desembocam no Poder Judiciário. A reversibilidade dos efeitos é pressuposto para a concessão de antecipação de tutela, entretanto, diante de situações problemáticas, deverá o magistrado recorrer ao princípio da proporcionalidade como esteio para sua decisão.
Bibliografia
BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004.
ZAVASKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
[1] BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 59.
[2] ZAVASKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 98.