Muito se fala sobre a deficitária máquina pública brasileira, a qual, historicamente, comporta-se de forma a fazer jus a tal adjetivo. Porém, pouco se faz no fito de qualificar a prestação do serviço público com o objetivo de oferecer uma justa e regular contra-prestação por parte do Estado, em decorrência da renúncia da coisa pública, a qual se sabe, é por direito do povo soberano.
Se pararmos para estudar a história das civilizações e a sua evolução, onde a população abdica de vários de seus direitos em prol de um Estado soberano, que fica incumbido de gerir o múnus público e garantir uma existência digna e organizada para os cidadãos, perceberemos aspectos que foram definitivos no desenvolvimento sócio-econômico de umas, diferentemente do que ocorreu com outras.
Acima de tudo, os países de primeiro mundo aprenderam que a era globalizada não comporta desperdício e que os recursos humanos devem ser o principal foco de atenção dos governos, podendo-se utilizar como parâmetro a Espanha, hoje inegavelmente um país desenvolvido, que há cerca de duas décadas possuía níveis de desenvolvimento bem parecidos com os que o Brasil detém atualmente. A Espanha aprendeu que o desenvolvimento social só acontece se o país tem como administradores/servidores públicos profissionais capacitados e realmente comprometidos com a finalidade pública.
Minha experiência, por ser atualmente estagiário vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, e, ao mesmo tempo, estagiário de um escritório de advocacia, provem da observação do comportamento dos servidores das Varas judiciais pelas quais tive passagem, e do comportamento dos profissionais vinculados à iniciativa privada, no referido escritório. Em atividades de mesma complexidade e grau técnico, no primeiro segmento, observei o predomínio de uma exponencial falta de estímulo em relação ao serviço, bem como a incidência de comportamento desidioso em relação aos afazeres inerentes aos cargos públicos ocupados pelos servidores, o que se acentua com a quase total inexistência de programas de treinamento e estimulo à produtividade na carreira pública, e com os baixos salários percebidos pelos servidores.
No segundo, a realidade me parece bem diferente, pois, contrariamente ao relatado acima, presenciei a efetivação de diversos treinamentos e aplicações de práticas de grupo, tudo visando o máximo aproveitamento dos recursos humanos da empresa, além da remuneração notadamente mais generosa que aquela oferecida no setor público, a qual não existe dissociada da idéia de rendimento, resultado.
Neste diapasão, me parece de todo viável a substituição da idéia de “público” por “consumidor’. Explico: na administração pública, cada funcionário tem apenas uma responsabilidade, que é a de executar a sua tarefa, o que, em regra geral, faz com que desempenhe suas funções da maneira como aprendeu quando ingressou no serviço, ou seja, de forma entrópica, como se essa maneira fosse perfeita e não precisasse ou não devesse ser aperfeiçoada.
Esta espécie de conformismo não existe nas empresas privadas de sucesso, pois nestas, cada empregado, além da responsabilidade de executar seus afazeres, agrega outras duas, a saber: a de melhorar continuamente a sua tarefa de modo a fazê-la cada vez mais e melhor e a de focalizar o seu trabalho na satisfação do cliente, pois sabe que, em o fazendo bem feito, obtendo sucesso nos aspectos recém mencionados, inevitavelmente será gratificado.
Obviamente a finalidade a administração pública difere essencialmente dos objetivos da administração privada. Porém, dentro do limite da possibilidade, acredito ser viável uma reforma administrativa e política dentro da máquina pública, a qual deve ter como essência e foco principal a reestruturação de carreiras e o incentivo aos resultados e bom andamento das atividades públicas, ou seja, deve se direcionar essencialmente à figura do servidor e do administrador público. Dentro deste plano, é necessário dizer, que ninguém mais além do consumidor, leia-se o cidadão, público em geral, usuário dos serviços públicos, está apto a avaliar a efetiva qualidade de uma repartição pública, por exemplo.
Concretamente, acredito que uma medida prática, de possível operacionalidade a ser inserida como via de verificação da qualidade do serviço público, para posterior gratificação de quem o executa em padrão de excelência, é a efetivação de programas e abertura de espaços de avaliação da prestação pública pelo povo. Minha idéia é que o usuário do serviço público, mediante programas governamentais elaborados para tal finalidade, passe a avaliar o desempenho tanto do servidor público que lhe atende, como do órgão ou instituição em si, de quem recebe a contra-prestação estatal.
Todavia, não basta somente isso. São necessárias inúmeras medidas, sobre as quais o espaço para a elaboração do presente ensaio não me permite digredir. Em linhas curtas, deve haver toda uma ação em conjunto dos três poderes da União, a bem de implementar-se uma reestruturação nos cargos e carreiras dos servidores, devendo o poder legislativo elaborar leis para esta finalidade, as quais devem se basear, sobretudo, em princípios de eficiência, produtividade, economia, celeridade, e acima de tudo, incentivo ao servidor, o que deve ocorrer dentro de todos os âmbitos da administração pública, notadamente, na administração pública direta.
O que se sabe, é que inequivocamente o Brasil, e a sua administração pública, têm grande potencial para a implementação de medidas do tipo, ressalte-se, em médio prazo. A população cresce, os órgãos públicos expandem-se, as demandas administrativas multiplicam-se, e acaso não seja tomada uma medida dotada de real eficácia, englobando todos os diversos segmentos do poder público, o quanto antes, as conseqüências podem ser determinantes para eventual estagnação, ou até mesmo regressão, da atual situação de progresso a qual, ainda assim vivemos.