Orações Coordenadas

As divergências das Orações Coordenadas

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Jaqueline Souza

Maria Jaceni Soares[1]

RESUMO: Tradicionalmente o estudo das orações do período composto por coordenação se baseia no conceito de independência. Entretanto, alguns gramáticos contestam esse conceito por considerá-lo inconsistente, haja vista que para tal, se baseiam apenas em critérios sintáticos. Assim sendo, buscamos fazer através deste artigo uma ré - analise desse conceito tendo como base alguns gramáticos que baseiam seus estudos na Linguística Moderna. Para tal, abordaremos as similaridades e divergências entre a gramática tradicional e a moderna.

Palavras – chaves: gramática tradicional – orações coordenadas – linguística.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo suscitar uma discussão acerca da característica de “independência” atribuída às orações coordenadas. A categorização puramente sintática no que toca à coordenação de orações é fonte de controvérsias dentro da linguística moderna. Segundo ela, do ponto de vista semântico e pragmático, as frases de um período composto são necessariamente interdependentes. Utilizamos como procedimento metodológico a análise de postulados tradicionais e modernos, apontando os pontos que divergem e os que convergem entre as duas perspectivas.

REFERÊNCIAL TEÓRICO

1. Perspectiva tradicional

A concepção gramatical ortodoxa entende por oração o processo pelo qual as unidades linguísticas se articulam, baseados em modelos padrões, para a expressão do pensamento. Período simples é aquele constituído de apenas uma oração. Já o período composto é formado a partir de mecanismos sintáticos pelos quais reúnem mais de uma oração. Dentre esses mecanismos temos a coordenação[2].

Tradicionalmente, tem-se caracterizado as orações coordenadas como orações independentes umas das outras, justapostas e introduzidas ou não por conjunção. Elas são divididas em dois tipos: Assindéticas e sindéticas.

Os conceitos de Ernani Terra e José de Nicola (1993, p.62) ratificam isso “as orações coordenadas são sintaticamente independentes umas das outras, relacionadas entre si pelo sentido e podem estar ou não ligadas umas às outras por conjunção coordenativa.

Os mencionados autores utilizaram o seguinte período para exemplificar: (1) O carro partiu e (2) ganhou velocidade. Nessa perspectiva, podemos dizer, O carro partiu. Ganhou velocidade, pois a primeira oração possui autonomia em relação a segunda e vice versa. Nota-se que o critério utilizado pelos gramáticos para chegar a essa conclusão foi puramente sintático, relegando, assim, a ligação significativa entre elas para atribuir o conceito de autonomia.

Carlos Faraco e Francisco Moura (1999, p.468) possuem idéias similares. Segundo eles, “as orações coordenadas são sintaticamente independentes, ou seja, não exerce nenhuma função sintática”.

Outro traço comum entre os quatro gramáticos diz respeito à classificação dada às orações coordenadas sindéticas. Segundo eles, existem cinco possíveis classes: “Oração coordenada sindética aditiva, adversativa, alternativa, explicativa e conclusiva”. Essas são distribuídas por eles com base no tipo de conjunção que as orações apresentam. Vê-se, pois, que, novamente, tais gramáticos utilizaram como base classificatória um elemento estrutural, a conjunção.

2. Um ponto de vista diferenciado dentre os gramáticos

Para Evanildo Bechara (2006, p.476), “orações coordenadas são orações sintaticamente independentes entre si e que se podem combinar para formar grupos oracionais ou períodos compostos”.

Para explicar, o autor usa o seguinte exemplo: (1) Mário lê muitos livros e (2) aumenta sua cultura (BECHARA, 2006, p.476). Percebe-se que essas orações são sintaticamente independentes, porque os termos sintáticos esperados na relação predicativa estão completos, ou seja, há sujeito “Mário”, verbo “lê” e complemento “muitos livros”, o mesmo ocorre na oração dois, sujeito elíptico, verbo “aumenta” e complemento “ sua cultura”.

Em questões como a consideração do aspecto semântico para a classificação, a noção de conectivo e a classificação das orações coordenadas sindéticas, o ponto de vista de Bechara diverge do dos outros gramáticos já citados.

Segundo Bechara (2006, p.476), a interpretação das duas orações, exemplificadas anteriormente, é consequência de nossa experiência de mundo e não da conexão sintática estabelecida entre elas como afirmam Faraco e Moura (1999) e Terra e Nicola (1993).

Bechara (2006, p.476) entende que as conjunções são meros conectores. Desse modo, a função semântica desse é conectar um conteúdo de pensamento a outro. Sendo assim, o que se deve considerar no momento de categorização é a relação significativa estabelecida entre as orações e não o conectivo. Ainda considerando o exemplo de Bechara, Mário muitos livros e aumenta sua cultura, percebemos que a conjunção coordenativa “e” que conecta as duas orações, é caracterizada ortodoxamente como aditiva, pois possui valor semântico de adição. No entanto, nesse caso, a relação significativa estabelecida é de conseqüência e não de adição.

Andrade (2005, p. 78) defende uma ideia similar: “a conjunção nem sempre é o meio eficaz para classificarmos a oração coordenada”. Explica por meio do seguinte período: (1) fui várias vezes ao Rio grande do Sul (2), portanto não conheço Porto Alegre. Se apenas o conectivo “portanto”, isto é, se nos detivermos apenas ao critério gramatical, a oração seria classificada como uma coordenada sindética conclusiva, apesar de a segunda oração, introduzida pela conjunção, manter uma relação de adversidade com a primeira.

Devido a fatos como esses, Andrade (2005, p.78) afirma que “é necessário examinar as conexões de sentido que as orações apresentam entre si no período, considerando a conjunção apenas como conector”.

Um traço bem próprio do trabalho de Bechara no que concerne a coordenação de orações é a classificação das coordenadas sindéticas. Enquanto os quatro gramáticos analisados anteriormente as dividem em cinco, já citadas, considerando o conectivo, ele as separa em apenas três, segundo a ligação semântica marcada pelas conjunções aditivas, alternativas e adversativas. Segundo ele, a tradição ortodoxa gramatical tem atribuído valores semânticos de conectivo coordenativos a certas unidades de natureza adverbial como “logo”, “entretanto”, “pois”, “portanto”, entre outros. Devido a isso, ele não considera as chamadas “Orações Coordenadas Sindéticas Explicativas” e “ Conclusivas” como parte da categorização das Orações coordenadas sindéticas. (c.f. BECHARA, 2006)

Após tantas explanações, o gramático conclui afirmado que as Orações Coordenadas só o são no nível da oração, pois são subordinadas no nível do texto.

3. A perspectiva da Linguística moderna

A noção de dependência parcial das orações coordenadas, já apresentada por Bechara, representa dentro da linguística moderna questionamentos que colocam à prova até mesmo os conceitos de “coordenação” e “subordinação” atribuídos ao período composto.

Segundo Ingedore Koch (1989, p.124/125), “em se tratando da coordenação de orações, pode-se dizer que estas são estruturalmente independentes, isto é, que não exercem função sintática dentro de outra[3]. (1) Ocorre que (...) o fato de se apresentarem combinadas em um mesmo período faz com que se estabeleça entre elas uma vinculação semântica”.

Exemplo 1: (1) O paciente apresenta melhoras, (2) mas deverá ficar em repouso. (KOCH, p. 125)

Exemplo 2: (1) Não chore, filha, (2) que eu volto. (Idem)

Exemplo 3: (1) Não preenchia as condições necessárias (2), portanto, não foi admitido para o cargo. (Ibidem)

No exemplo 1 é expresso um sentido de adversidade. No exemplo 2 o sentido é de causa e no exemplo 3 de conclusão. Todavia, essas relações só são possíveis, porque as orações se encontram combinadas, já que só se pode opor um argumento a outro já expresso, uma conclusão só é retirada de algo afirmado anteriormente e uma explicação provém de premissas.

Com esses exemplos Koch (1989) comprova seu postulado e deixa claro que a “vinculação semântica” ocorre com praticamente todas as orações coordenadas sindéticas classificadas pela GT[4], até mesmo entre as denominadas coordenadas ‘típicas’ as alternativas e aditivas. Isso se revela em:

Grupo 1: “Você vai comigo ao teatro ou prefere ficar em casa?” ( KOCH, 1989, p. 124)

Grupo 2: “ O professor fechou a porta, despediu-se dos alunos e saiu”. (Idem, p. 125)

As orações do grupo 1 firmam entre si uma noção lógica de alternância, no entanto, isso só acontece por causa da combinação das duas em um só período o que produz a “vinculação semântica”, já que se esse grupo oracional for observado fora desse contexto perderão tal sentido: Você vai comigo ao teatro? Prefere ficar em casa? Nesse caso, não há correspondência nenhuma entre elas.

No segundo grupo de orações, a relação estabelecida é de adição. Para Koch (1989, p. 125), “as orações aditivas expressam, em muitos casos, uma prosequência temporal, o que torna impossível, portanto, a inversão da ordem”. Desse modo, o fechamento da porta pelo professor precede a sua despedida que precede, por sua vez, a saída dele da sala, não havendo, pois, possibilidade de modificar a apresentação dos fatos. Isso deixa clara a dependência semântica entre as orações.

Outro argumento usado por tal linguísta para comprovar seu postulado concerne à oração coordenada assindética, ou seja, não introduzidas por conjunções. Nessas ocorrências, não há conectivos ligando as orações, mas o fato de se encontrarem conciliadas produz um efeito semântico. (c.f. KOCH, 1989)

Por exemplo: (1) Foi a minha grande oportunidade; (2) não deveria ter perdido. (KOCH, 1989, p. 126) Interpretando esse período à luz da pragmática, imaginemos que um falante produzisse essa construção. Será que a intenção seria produzir ideias independentes? Está claro que não. O objetivo, nesse caso, seria produzir uma vinculação de significado entre a primeira e a segunda afirmação. Assim, a segunda oração se apresentaria como a conclusão retirada a partir da primeira.

Outro fato que se observa com esse exemplo é que a conexão semântica não é estabelecida pelo conectivo, visto que a ausência dele não impediu o elo de significado entre as duas orações. Desse modo, no que toca à noção de conectivo podemos afirmar que Koch, Andrade e Bechara convergem.

Dentre os linguistas modernos, Othon Garcia é um dos mais radicais ao contestar o conceito de “independência” conferido às orações coordenadas. Seu trabalho é conhecido pelo conceito de “Falsa Coordenação”.

O dicionário eletrônico Aurélio assim conceitua o verbete “independente”: Estado ou condição de quem ou do que é independente, de quem ou do que tem liberdade ou autonomia. Caráter de quem rejeita qualquer sujeição [...]. O fato de as orações coordenadas se encontrarem combinadas em um mesmo período produz como já vimos uma interdependência semântica entre elas. Isso foge ao conceito apresentado de “independente”, que algo detentor dessa característica não se sujeita a nada.

Para Garcia, “independência” significa autonomia não apenas de funções, mas também de sentido. No entanto, isso não ocorre na grande maioria dos períodos formados por coordenação, pois, apesar de serem coordenadas gramaticalmente, são “subordinadas psicologicamente”. (c.f. GARCIA, 1995) Ele elenca vários exemplos de “Falsa Coordenação” a fim de comprovar seu postulado como:

Irei quer chova quer faça sol. (GARCIA, 1995: 22) Em situações como essa onde o par conjuntivo ‘quer... quer’ é seguido por verbos no modo subjuntivo se produz um valor subordinativo - concessivo na construção. Assim, o período exposto corresponde a Irei mesmo que chova, mesmo que faça sol. A vírgula é outro indício da subordinação.

Segundo Garcia, há “Falsa Coordenação” ainda em construções que indicam raciocínio dedutivo como em:

Todo homem é mortal,

Ora, Pedro é homem;

Logo, Pedro é mortal. (GARCIA, 1995, p. 24) Nesses episódios, as segundas introduzidas por “ora” e a última por “logo” são totalmente dependentes da primeira premissa.

Vários outros exemplos como esses são apresentados por Garcia (1995). Desse modo, fica claro que ao considerar o aspecto semântico a característica de “independência” das orações coordenadas é insuficiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os gramáticos tradicionais se tornam inconsistentes em diversas situações, devido ao fato de considerarem apenas um critério de análise em suas categorizações. Esses têm proposto a análise linguística através da “regra pela regra”, ou seja, ensinada e exercitada por meio de frases soltas e fora de seus contextos comunicativos. Por conta disso, tais análises acabam sendo artificiais e insuficientes.

A Linguística moderna, entretanto, ao classificar os sintagmas se baseia no tripé: semântica, morfossintaxe, pragmática e, por isso, defendem que as análises linguísticas aconteçam de modo contextualizado. Devido a isso, a categorização acontece de forma mais precisa

À luz da Linguística, a característica ortodoxa de “independência” atribuída aos períodos compostos por coordenação se apresenta como insuficiente, visto que é preciso explicitar em qual aspecto se dá essa independência, já que, como vimos, são orações autônomas estruturalmente, mas dependentes semanticamente.

Para Basílio (1989, p.54), “uma questão que às vezes se coloca em relação às classes de palavras é a da multiplicidade de critérios de classificação [...] um item lexical é um complexo de propriedades semânticas, morfológicas e sintáticas. Assim, sua pertinência a classes deve ser estabelecida considerando esses três eixos”.

Vê-se, portanto, que as disparidades de concepções apresentadas aqui apontam para a relevância da escolha dos critérios para a classificação.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Tadeu Luciano Siqueira. Sintaxe do Português: da norma para o uso. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 2005.

BASÍLIO, Margarida. Teoria Lexical. São Paulo: Ática, 1989. (Princípios; v.88).

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em Prosa Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995.

KOCH, Ingedore G. Villaça & SILVA, Maria Cecília P. Silva. Lingüística aplicada ao Português: Sintaxe. São Paulo: Cortez, 1989.

GRAMÁTICAS ANALISADAS

FARACO, Carlos Emílio; MOURO, Francisco Marto de. Gramática Nova. São Paulo: Ática, 1997.

NICOLA, José de; TERRA, Ernani. Gramática e Literatura para 2º Grau. São Paulo: Scipione 1993.


[1] Graduandas do curso de Letras Vernáculas da UNEB Campus IV.

[2] Esse processo é também denominado de Parataxe.

[3] Processo típico nas chamadas “Orações Subordinadas”.

[4] Abreviatura de Gramática Tradicional.